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Descrição de chapéu LATINOAMÉRICA21 mudança climática

Definição de riscos ambientais e climáticos ainda está em disputa

Conceitos são debatidos em disputa na qual saberes técnicos e populares se cruzam com relações de poder

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Soledad Nión Celio

Doutora em ciências sociais, é professora e pesquisadora da Udelar (Universidade da República) do Uruguai; trabalha com sociologia do risco e saúde

As crises climática e ambiental não são vivenciadas de uma única forma. Para cada pessoa, a realidade é o que é familiar, algo que se constrói coletivamente a partir de crenças, conhecimentos cotidianos, normas sociais e rotinas estabelecidas.

Isso significa que as ações e estratégias para enfrentar os desafios que a mudança climática e ambiental propõe não têm uma única definição social, já que as respostas a esses desafios também são diversas.

Poluição em rio em áreas de garimpo ilegal na Amazônia, na região da bacia do rio Tapajós, no estado do Pará - Pedro Ladeira - 17.fev.22/Folhapress

Longe de ser verdade que a heterogeneidade de percepções em relação aos riscos ambientais é consequência da falta de disponibilidade ou de capacidade de compreensão da informação, as ciências sociais têm demonstrado que essas diferenças se devem principalmente a questões vinculadas a desigualdades materiais e socioculturais.

A evidência nos diz que a quantidade de informação sobre os riscos ambientais à saúde não está relacionada à forma como se trata os problemas identificados. Desde os anos 1980, existe interesse em compreender como se constrói a percepção dos riscos em diferentes públicos (acadêmicos, técnicos, formuladores de políticas, público em geral) vinculada aos perigos ambientais gerados pelo desenvolvimento tecnológico e industrial e pelos padrões culturais de consumo.

Diversos autores demonstraram que a percepção sobre os riscos ambientais e de saúde se constrói, em grande parte, com base em definições de riscos impostas sociopoliticamente, ou seja, a partir de quem têm o poder de definir os problemas nos âmbitos de decisões políticas e técnicas.

Os multiversos que coexistem em torno da definição da crise climática e ambiental ocorrem em diferentes âmbitos. Cientistas e políticos perpetuam as divergências nos modos de definir o problema e propor possíveis soluções. Como menciona a politóloga e ativista ambiental argentina Flavia Broffoni, "quem define o conceito controla o debate".

Por exemplo, no Uruguai, em meados de 2023, o governo decretou uma crise hídrica definida por movimentos sociais, acadêmicos e diversas manifestações autoconvocadas como consequência do "saque" da água por modelos de produção hegemônicos. Essa crise hídrica veio à tona a partir da falta de água potável, sobretudo para os pequenos produtores da zona metropolitana, como nunca antes havia ocorrido no país. Entretanto, esse problema vem sendo denunciado há anos.

Heterogeneidade das definições de riscos ambientais

A realidade é carregada de significados a partir de conhecimentos socialmente validados e é construída sob estruturas de poder. A definição de riscos ambientais e climáticos é um campo de disputas em que os saberes técnicos e populares se cruzam com interesses, relações de poder e a legitimação do conhecimento pelas próprias sociedades. Tudo depende de como definimos progresso, desenvolvimento, tecnologia, bem-estar, natureza e participação, entre outras questões.

A problematização das crises climática e ambiental implica definir socialmente os riscos associados a elas em concorrência com os riscos vinculados ao crescimento econômico e ao progresso técnico-científico.

Como decidimos abordar as consequências de eventos climáticos cada vez mais extremos, a falta de acesso a serviços ambientais de qualidade para a vida (água, ar) ou a disponibilidade de espaço para o cultivo de alimentos fazem parte dos processos de seleção de riscos definidos pela ciência ou pela política. Não importa só o que sabemos, mas o que podemos fazer com o que sabemos, individual e coletivamente.

As respostas sobre quais são os riscos e problemas e como devem ser tratados são diversas e, muitas vezes, contraditórias. Há debates sobre quais deveriam ser os critérios de avaliação dos riscos ambientais, segundo os grupos ou referências sociais que se analisa.

A imposição de narrativas em relação a essas definições de riscos e suas consequências tem impactos econômicos, sociais e ambientais significativos. Essas imposições ocorrem tanto dentro dos países, entre grupos socioeconomicamente hegemônicos, quanto entre países ou regiões mais desenvolvidos em relação a outros que também recebem o peso do modelo de desenvolvimento em suas consequências.

As causas e as consequências das ameaças globais, como a proliferação de doenças e eventos climáticos, são distribuídas de forma desigual no planeta, assim como os recursos para enfrentá-las.

Desigualdade e alternativas

Há uma dívida pouco mencionada em âmbitos técnicos e políticos que tem a ver com as responsabilidades e as causas vinculadas às múltiplas desigualdades geradas e aprofundadas nesse contexto de crise climática.

Apesar da gravidade da situação socioambiental que o planeta atravessa, muitos países ainda não ratificaram o Acordo de Escazú (que estabelece como norma internacional a ampla participação social, a justiça e o acesso à informação em matéria ambiental) e são poucos os que consideram a dívida socioecológica.

Pelo contrário, o clima de violência contra ativistas e movimentos ambientais se intensificou na região nos últimos anos, e as condições das populações mais desfavorecidas socioeconomicamente continuam se deteriorando.

Alguns acadêmicos saíram do modo de geração de conhecimento puramente científico para propor e buscar transformações concretas que atendam a múltiplas desigualdades.

Quem defende o Pacto Ecossocial e Intercultural do Sul, por exemplo, argumenta que a transição energética, social e digital deve ser projetada a partir dos territórios que suportam o sacrifício material, cultural e ambiental para salvar o planeta.

Em um contexto em que as definições de crise ambiental não são únicas, em que o excesso de informação não soluciona problemas e em que há diferentes responsabilidades geopolíticas em relação aos riscos planetários, é necessário discutir os mecanismos que poderiam reverter as desigualdades sociais que se reproduzem e se aprofundam no planeta.

Isso pressupõe a aceitação das múltiplas realidades que coexistem em torno do tema, tomando as narrativas acadêmicas e políticas como construções carregadas de sentido, visibilizando as estruturas que perpetuam os mecanismos de desigualdade e dando espaço a soluções alternativas com licença social.

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