Laura Müller Machado

Mestre em Economia Aplicada pela USP, é professora do Insper e foi secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo

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Queremos a pobreza concentrada nas crianças?

Vulnerabilidade social está majoritariamente concentrada na população com até 15 anos

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O artigo 227 da nossa Constituição estabelece que a responsabilidade de garantir os direitos de crianças e adolescentes é compartilhada entre Estado, famílias e sociedade. Isso significa que nós, adultos, somos responsáveis por todas as crianças e adolescentes. O artigo também deixa claro que os menores devem ser prioridade absoluta. Em caso de incêndio, eles devem ser resgatados primeiro.

A mesma Constituição que determinou essa prioridade prevê também, no artigo 14, que podem votar apenas os maiores de 16 anos. Determinamos tanto prioridade absoluta quanto a inelegibilidade por entendermos que crianças e adolescentes não conseguem promover seus direitos sozinhas. Estão em processo de formação e precisam de atenção, cuidado e proteção.

Crianças brincam Vila Reecontro Cruzeiro do Sul, voltada para pessoas em situação de rua em São Paulo
Crianças brincam na Vila Reecontro Cruzeiro do Sul, voltada para pessoas em situação de rua em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

Hoje, a pobreza está majoritariamente concentrada na população com até 15 anos: 35% estão entre as mais pobres do país. Na faixa superior a 60 anos, 5% estão entre as mais vulneráveis. Fica a reflexão: considerando que recursos são finitos, a sociedade brasileira quer alocar mais recursos para os mais velhos em comparação ao que aloca para as crianças?

A desigualdade intergeracional é consequência de um conjunto grande de políticas públicas. Provavelmente, as políticas de mercado de trabalho e de Previdência têm enorme contribuição para esse retrato. A nossa política de combate à pobreza segue a mesma lógica.

Um casal sem filhos, estando abaixo da linha da pobreza, recebe R$ 600 do Bolsa Família, R$ 300 para cada membro. Um casal com dois filhos recebe R$ 800 no total, R$ 200 para cada membro. Portanto, famílias com crianças e jovens recebem 33% menos, em média. A consequência do desenho atual do Bolsa Família agrava a concentração da pobreza entre as crianças.

Talvez o incêndio já esteja acontecendo e seja preciso resgatá-los. Tivessem voz os jovens e as crianças, aprovariam as escolhas que nós fizemos por eles?

O Marco Legal da Primeira Infância, lei de 2016, estabelece que as políticas públicas sejam elaboradas e executadas de forma a "incluir a participação da criança na definição das ações que lhe digam respeito, em conformidade com suas características etárias e de desenvolvimento". Um dos caminhos possíveis para a política pública, mas não o único, caso a sociedade brasileira queira equilibrar a atual desigualdade intergeracional, é aumentar a participação direta das crianças e jovens nas decisões do poder público.

Uma iniciativa concreta é o Comitê das Crianças, um órgão que visa escutar as demandas e as sugestões das crianças para diversos segmentos do município de Jundiaí (SP). Instituído em 2019, após a adesão do Município à Rede Latino-Americana – Cidade das Crianças, o grupo é composto por 25 crianças, escolhidas por sorteio –24 delas divididas entre meninos e meninas, representando as seis regiões do município, e um integrante para representar as crianças com deficiência.

 Fábrica das Infâncias, em Jundiaí, na Grande São Paulo. Local onde funcionava uma antiga tecelagem virou espaço para brincadeiras e reuniões sobre políticas públicas
Fábrica das Infâncias, em Jundiaí, na Grande São Paulo. Local onde funcionava uma antiga tecelagem virou espaço para brincadeiras e reuniões sobre políticas públicas - Bruno Santos/Folhapress

O cronograma das reuniões do comitê é quinzenal e sua atribuição é pesquisar e compilar um documento anual entregue ao prefeito, com pedidos e sugestões para que o município se torne, cada vez mais, das crianças. Nas muitas cidades brasileiras que instituíram o comitê, todas dedicam um capítulo do Plano Diretor exclusivamente aos menores.

Longe de ser uma panaceia para a nossa desigualdade intergeracional, deveríamos estender um capítulo exclusivo para crianças e jovens em diversas outras áreas da política pública, afinal, os nossos prioritários são um terço da população e é atribuição constitucional dos adultos garantir que eles estejam bem representados.

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