Laura Müller Machado

Mestre em Economia Aplicada pela USP, é professora do Insper e foi secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo

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Descrição de chapéu União Europeia

Anatomia e implicações da desigualdade brasileira

A concentração de capital entre os mais ricos pode se transformar em arrecadação

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Qual é a anatomia da desigualdade no Brasil? Sabemos que ela está entre as mais altas do mundo, mas de que tipo é essa desigualdade? A maioria da população é extremamente vulnerável? Ou temos uma alta concentração de renda entre poucos super-ricos? Ou ambos?

Concentração de renda entre os 20% mais ricos no Brasil salta aos olhos
Concentração de renda entre os 20% mais ricos no Brasil salta aos olhos - Gabriel Cabral/Folhapress

A comparação com outros territórios pode nos trazer informações relevantes para compreendermos as características da nossa alta desigualdade. O Banco Mundial tem uma compilação de estatísticas relevantes e comparáveis internacionalmente sobre o desenvolvimento global, os chamados World Development Indicators (WDI). A partir desses dados, podemos fazer uma comparação da desigualdade de renda do Brasil e da Europa, por exemplo.

Os gráficos apresentam a porcentagem da renda apropriada por cada quinto da população. Imaginemos que o Brasil tem apenas cinco pessoas e vamos ordená-las da mais rica para a mais pobre. Nesse cenário, a mais pobre detém 4% da renda total do país, a segunda mais pobre, 8%, a terceira, 12%, a quarta, 20% e a mais rica, 57%. Na Europa, os resultados seriam 8%, 13%, 17%, 22% e 40%, respectivamente.

Já sabemos que a Europa é menos desigual que o Brasil, mas será que o tipo e a forma da desigualdade são diferentes? A resposta é sim.

Ao observar como a renda é distribuída, os primeiros quatro números avançam com um crescimento e tendência similar. A diferença do gráfico é ampla no último quinto, ou seja, na concentração de renda entre os mais ricos.

Enquanto os mais ricos europeus concentram 40% da riqueza, menos que o dobro do quinto anterior, os mais ricos brasileiros concentram 57% da riqueza, quase três vezes a renda do quinto anterior.

Isso quer dizer que se cortássemos o último quinto do Brasil e da Europa, as desigualdades ficariam mais parecidas entre ambos. No entanto, se cortássemos o primeiro quinto, a diferença permaneceria.

Portanto, ao se discutir não o tamanho, mas o tipo de desigualdade, a concentração de renda entre os 20% mais ricos no Brasil salta aos olhos. A nossa desigualdade não está espalhada por toda a distribuição; ela é mais acentuada do que a europeia, pois os ricos brasileiros concentram muito mais renda.

Quais são as implicações para a política pública desse tipo de desigualdade? Esse deveria ser um problema mais simples de resolver, considerando que os mais ricos geram arrecadação e não demandam políticas públicas, enquanto os mais vulneráveis precisam de políticas sociais.

Uma desigualdade mais aguda entre os mais pobres demandaria mais políticas públicas e gastos e, na ausência de grandes arrecadações dos ricos, a situação ficaria complicada.

Podemos observar esse tipo de desigualdade como uma grande oportunidade: a concentração da riqueza entre os mais ricos pode se tornar arrecadação. Para isso se tornar realidade, precisaríamos de um sistema de tributação que incidisse efetivamente sobre os mais ricos.

A alta concentração de renda entre os mais ricos pode ter outra implicação: a concentração de poder em poucas pessoas.

Apesar de a democracia garantir um voto igual para cada um, a centralização da riqueza gera um desbalanceamento de influência e poder sobre as instituições e na democracia, por exemplo, com empresas captando enormes subsídios públicos, sendo isentas de tributações devidas e influenciando eleições de formas não republicanas.

Comparando a forma da desigualdade brasileira com a da Europa, temos uma grande chance. Se a grande concentração de recursos entre os mais ricos se tornar arrecadação, e esta se transformar em política pública eficiente para os mais vulneráveis, seremos um país menos desigual.

Além da oportunidade, precisamos estar atentos ao risco dessa concentração, que pode se apropriar de privilégios indevidos e ser uma ameaça à igualdade de direitos.

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