Leão Serva

Jornalista, foi coordenador de imprensa na Prefeitura de São Paulo (2005-2009). É coautor de "Como Viver em São Paulo sem Carro".

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Leão Serva

Você prefere dar subsídios a empreiteiras ou idosos e estudantes?

A opinião pública precisa conhecer bem o que a prefeitura faz com o dinheiro que arrecada para poder decidir o que é melhor para a cidade

A manchete do jornal informava: "Subsídios de Dória a ônibus superam obras". A informação é de que o repasse da Prefeitura para o sistema municipal de transportes coletivos foi de R$ 2,9 bilhões em 2017, enquanto os investimentos (obras mais compra de equipamentos) somaram R$ 1,9 bilhão.

O texto informa ainda que para cobrir os custos dos ônibus, o prefeito transferiu verbas originalmente destinadas a outros setores e cita, inclusive, valores relacionados a habitação popular. A reportagem dá à opinião pública uma rara oportunidade de analisar como é gasto o orçamento que, sendo um cobertor curto, impõe fazer escolhas.

São Paulo é uma cidade enorme e rica, todos os seus números são imensos. Contextualizando, a maior das duas cifras corresponde a cerca de 5% do orçamento da cidade. Há inúmeros gastos muito maiores, que poderiam ser chamados de subsídios para saúde, subsídios para educação, subsídios para os salários dos funcionários públicos etc.

Todos são gastos, todos defensáveis e a opinião pública precisa conhecer bem o que a Prefeitura faz com o dinheiro que arrecada para poder decidir o que é melhor para a cidade. No caso da manchete, entendo que a administração optou entre subsídios aos usuários de ônibus e subsídios às empreiteiras de obras públicas.

Passageira caminha no terminal Bandeira, no centro de São Paulo
Passageira caminha no terminal Bandeira, no centro de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

Além de contexto, os números precisam ser definidos com precisão: subsídio é um benefício ou estímulo financeiro, oferecido a uma companhia ou segmentos da economia. No caso, o gasto da Prefeitura com a chamada conta sistema do Bilhete Único não é um subsídio aos ônibus. É o pagamento por um serviço prestado a cidadãos que não pagam sua passagem integralmente.

Só a metade dos 6 milhões de usuários diários de ônibus municipais paga o preço da passagem. A outra metade tem descontos, integrais ou parciais. Os dois maiores segmentos são idosos com mais de 60 anos e estudantes (alguns com desconto parcial, outros, integral); há também o vale transporte e pessoas com deficiência. Quando alguém desses grupos pega um ônibus, paga entre nada e metade da passagem. A Prefeitura arca com a diferença entre o preço de tabela e o que eles desembolsaram.

Assim, se há subsídio não é para os ônibus, mas para os idosos e estudantes, por exemplo. Se a Prefeitura não pagar essa conta, o benefício a esses segmentos terá que ser coberto pelos outros usuários. A passagem, atualmente em R$ 4,00, passará a custar cerca de R$ 6,50. Uma outra opção seria tirar de idosos e estudantes a regalia. A passagem continuaria a custar R$ 4,00 e todos pagariam tarifa cheia.

Disputando com as verbas para os ônibus estão diversas obras. Convém sempre passá-las pelo crivo da pergunta: obra para quê?

Frequentemente o (e)leitor vai constatar que se trata de um fim em si, que só faz sentido como forma de gerar receita para as construtoras. É um subsídio às empreiteiras, uma bolsa obras.

O exemplo mais gritante, embora não seja único, são as obras viárias. Os engenheiros de trânsito de todo o mundo já sabem: construir novas vias não só não resolve problemas de mobilidade como os agrava. Mas no Brasil, governos seguem abrindo avenidas, semeando congestionamentos.

Outro exemplo muito citado em nossas administrações municipais são as obras contra enchentes. A melhor forma de evitar alagamentos é não construir nada nas áreas onde as águas costumam subir; e limpar constantemente as vias de escoamento. Ou seja: é evitar a construção e realizar serviços de manutenção, limpeza. Mas, então, por que há em nossos orçamentos tantas rubricas de obras de piscinões e canalização de rios e córregos? Estão semeando enchentes sob alegação de acabar com elas.

Também equivocadas são as construções de creches: nossa população deixou de crescer. Já temos menos crianças que nossos pais e em poucos anos serão ainda menos. Mas seguimos construindo escolas. Logo virarão elefantes brancos, ociosos. O melhor seria usar ou alugar prédios já existentes. Mas a ideologia empreiteira pede obras, inaugurações... e subsídios para construtoras.

Outro crivo para avaliar o gasto público é a quem ele serve. Muitas vezes as obras são irrelevantes, a um custo faraônico. E com isso, atendem uma pequena fração da sociedade, sugando dinheiro de todos. O caso icônico é o do Minhocão, usado a cada dia por apenas 80 mil pessoas, quando prejudica diretamente um contingente muito maior. É um dinheiro caro, usado em benefício de poucos para prejuízo de muitos.

Os ônibus municipais são usados todos os dias por 50% da população paulistana, seis milhões de pessoas, aproximadamente. Existe no horizonte, passado ou futuro, uma obra que beneficie um número semelhante de pessoas? Certamente não.

Os transportes são a mais útil de todas as realizações do poder público. Para ter uma ideia, a saúde pública atende cerca de 4 milhões de pessoas ao longo de um ano. A educação cuida todos os dias de pouco mais de 1 milhão de pequenos (8% dos paulistanos).

Não há gênero de primeira necessidade tal como o transporte público. Por isso é natural que ele seja um dos itens mais destacados do orçamento.

Os chamados subsídios aos ônibus não o são; beneficiam segmentos da população correspondentes a 25% dos paulistanos. Se você pudesse escolher a quem dar um pouco de seu dinheiro, preferiria ajudar idosos e estudantes ou empreiteiras de obras públicas?

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