Em poucos dias, seremos governados só por vices: prefeito, governador e presidente não eleitos para o cargo estarão no comando das três esferas do poder Executivo sobre nossas cabeças.
No futebol, o brasileiro não aceita nada menos que campeões. Qualquer lugar que não seja o primeiro é negativo. Mas no que parece ser mais importante, o mundo real, o governo do país, do estado ou da cidade, estamos sempre engolindo vices.
Já tivemos um vice-presidente, José Sarney, que governou do primeiro ao último dia do mandato do eleito, Tancredo Neves; e dois vices que assumiram após o impeachment dos eleitos (Itamar Franco e Michel Temer).
Nos estados, é comum governadores em fim de mandato serem substituídos por seus vices, enquanto tentam outros cargos, seja a presidência da República ou uma cadeira no Congresso.
Menos frequentes, mesmo assim não raros, são casos de prefeitos, como João Doria, que largam o mandato com pouco mais de um ano para concorrer a governador. Há 12 anos, José Serra fez a mesma coisa e foi eleito para o Palácio dos Bandeirantes em primeiro turno. O eleitor não o puniu.
Dória conta com a repetição da história. Só saberemos o destino de sua candidatura daqui a vários meses.
Até lá é interessante pensar mais uma vez no descaso com que tratamos os candidatos a vice. Com todas as chances que têm de vir a assumir, eles deviam ser submetidos a um escrutínio tão intenso quando os cabeças de chapa. Temos que mergulhar em suas biografias, saber o que pensam, querem, sua vida pessoal etc. Afinal, o vice é frequentemente “o próximo”.
Outra coisa preocupante é a impressão que muitos vices passam de que, ao tomar posse, têm o direito de impor suas ideias e estilo à administração. Ora, o cidadão vota em um candidato e um programa; se por acaso o escolhido deixa o cargo, por força maior ou motivo menor, cabe ao vice completar o que foi comprado pelo eleitor.
O paulistano elegeu João Dória com grande maioria dos votos, em primeiro turno. Ele mostrou querer o programa de governo que o candidato defendeu em campanha. Ao assumir a cadeira, o vice deve manter o rumo da gestão conforme a cartilha do eleito.
Bruno Covas, o vice, dizer à Folha que será “menos liberal” que Doria pode soar simpático a um militante da oposição antiliberal, mas é uma traição ao contrato assinado com o eleitor em 2016.
Se há dúvidas quanto ao papel do vice, basta lembrar que os objetivos da administração são aqueles registrados por Dória, como manda a Lei de Metas, com inúmeras privatizações, por exemplo. O eleitor escolheu um prefeito e seu programa e não um vice para governar como pensa ou como pensava o avô.
O mesmo acontece no Palácio dos Bandeirantes: Geraldo Alckmin, sempre inábil no trato com vices, deixa no cargo um adversário de seu partido. Marcio França já prepara uma troca de secretariado, para incluir no time adversários dos tucanos. Se anunciasse uma reforma ampla para 1º de janeiro, caso eleito, ótimo: o mandato será dele se as urnas o consagrarem. Mas até lá, ele será um bom vice-tornado-governador se conduzir o governo no rumo, no ritmo e com o estilo de Alckmin, mesmo que tenha gosto de “picolé de chuchu”.
Quanto a Temer, o eleitor avaliará seu mandato ao votar ou não na recandidatura, que agora ele anuncia como certa.
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