Lorena Hakak

Doutora em economia e professora da FGV. Atua como presidente da GeFam (Sociedade de Economia da Família e do Gênero)

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A importância dos dados para o desenho de políticas

Atualmente, enfrentamos uma escassez de informações que muitos outros países latino-americanos já possuem

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Todos nós precisamos planejar as tarefas que executaremos diariamente, desde as mais simples até as mais complexas. A restrição do tempo é, possivelmente, o principal desafio com a qual os indivíduos precisam lidar nesse processo. É só nos lembrarmos do que aconteceu com muitas mulheres durante a pandemia da Covid que, com filhos pequenos em casa e sem nenhuma rede de apoio, precisaram deixar seus empregos. De acordo com Hamermesh et al. (2005), a decisão de alocação do tempo em diferentes atividades como a decisão de ofertar trabalho, exercer cuidados, fazer atividade física, dormir, passear, podem ter implicações importantes para a segurança financeira, saúde física e mental e nível geral de felicidade.

Para analisar essas decisões e suas consequências, cientistas, gestores e pesquisadores especializados em temas de família e gênero —grupo no qual me incluo— necessitam de dados que traduzam a realidade das famílias. Essa informação é crucial porque, para implementarmos políticas públicas eficazes, é fundamental entender os brasileiros e fazer desenhos de políticas baseadas em evidência.

Felizmente no país, temos o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que organiza uma gama variada de pesquisas nas áreas sociais e econômicas, contribuindo para a pesquisa acadêmica no Brasil.

Durante a pandemia da Covid, muitas mulheres com filhos pequenos e sem rede de apoio precisaram deixar seus empregos - Sheremetio/Adobe Stock

Apesar da qualidade técnica e da tradição do instituto, ele depende do orçamento que lhe é disponibilizado pelo Congresso Nacional. Assim, muitas vezes, pesquisas importantes são adiadas, canceladas ou feitas de forma restrita. Por exemplo, uma das pesquisas mais usadas pelos cientistas, a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), inclui um questionário que abrange questões sobre o domicílio e seus moradores, como características demográficas e mercado de trabalho. No entanto, atualmente, a pesquisa não conta mais com a variável sobre estado civil. Então não é possível saber se uma pessoa é divorciada, viúva ou solteira, se um casal é casado ou vive em coabitação, ou mesmo a duração dessa união. Para um pesquisador que estuda uso do tempo e questões de família, essa informação é crucial.

Para além de incluir mais algumas variáveis na PNAD Contínua, precisamos de pesquisas sobre transições de nupcialidade e fecundidade que sejam frequentes e periódicas. É necessário viabilizar uma pesquisa à parte, como tínhamos com a PNDS (Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde), baseada na Demographic and Health Surveys (DHS), pesquisa aplicada em mais de 90 países. O Brasil, diferente de outros países latino-americanos, só participou de poucas rodadas dessa pesquisa entre 1986 e 2006. No ano passado, o IBGE realizou a PNDS. Entretanto, entre 2006 a 2022, o país passou por significativas mudanças e ficamos no escuro sobre as transformações ocorridas.

Em outra iniciativa para obter informações sobre o uso do tempo, a Secretaria Nacional de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento Social está em diálogo com o IBGE para criar uma pesquisa dedicada a esse tema. Essa reivindicação é muito antiga. O IBGE fez uma tentativa em 2009, mas a iniciativa não foi adiante. Porém, é importante que uma nova tentativa seja feita. Após a fase piloto, é fundamental que a pesquisa seja realizada regularmente e com periodicidade definida.

Uma pesquisa que enriqueceria o rol das que já são feitas no país seria uma baseada na Generations and Gender Programme e que é aplicada em diversos países. Além disso, é uma pesquisa em ondas que permite o acompanhamento das mudanças que acontecem ao longo do tempo, inclusive com questões sobre valores e atitudes. Essa pesquisa tem como objetivo focar nas relações intergeracionais e diferenças de gênero, que surgem nos arranjos de cuidado e na organização do trabalho remunerado e não remunerado e é dividida em dois módulos.

Atualmente, enfrentamos uma escassez de informações que muitos outros países latino-americanos já possuem. Isso restringe a formulação de políticas públicas baseadas em evidências e reduz o entendimento sobre questões importantes para a economia. Estamos ficando para trás na coleta de dados essenciais para pesquisas sobre família e desigualdades de gênero.


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