Joe Biden e Guilherme Boulos entram num bar.
Não é começo de piada, mas a cena me ocorreu quando monitorava um comício do candidato democrata americano em Atlanta e me enviaram o link para um vídeo da campanha do candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo.
Se eleito e, nunca pensei que usaria a segunda condicional, se tomar posse, Biden será o mais velho ocupante a chegar à Casa Branca, completando 80 anos no segundo ano de mandato.
Boulos, 38, nasceu dez anos depois de Biden se eleger pela primeira vez para o Senado. Ele compensa a falta de acesso ao horário de propaganda eleitoral fazendo uma ágil campanha digital.
Com um olho no comício da TV, onde o rapper Offset esquentava o público para o candidato que nunca deve ter ouvido falar dele, e outro na tela do computador, assisti ao vídeo em que Boulos aborda eleitores num território potencialmente inimigo, o Bolsonaristão da avenida Faria Lima.
Dizem que a região adquiriu infâmia cultural semelhante à da Barra da Tijuca, bairro carioca do atual presidente brasileiro, nos anos 1990, com suas emergentes consumistas e alienadas. A diferença entre a zona oeste carioca e a paulistana, com seus diplomas de MBA e engenharia de computação, pode não ser desprezível, mas também não elimina a irmandade eleitoral que plantou o capitão no Planalto.
Enquanto a rede social repercutia a salada de sandices de João Santana no programa Roda Viva, Boulos mostrava que não é preciso gastar uma fração do caixa 2 que permitiu ao jeca marqueteiro comprar apartamento com vista para o parque da High Line, em Manhattan.
Uma “repórter” da campanha perguntava ao público sobre os espantalhos que cercam a reputação de Boulos, como invadir prédios e ser contra a propriedade privada, e o candidato assistia de um carro. Saltou para conversar com dois dos eleitores, um homem e uma mulher brancos de meia-idade.
O diálogo em seguida foi civilizado, e Boulos, cordial, desarmou a hostilidade de ambos. Um momento revelador foi quando a eleitora mandou as amigas continuarem andando porque ela queria ficar conversando com Boulos e acabou por reconhecer que sua visão do candidato era alimentada por fake news.
De volta à TV, Joe Biden já tinha arrancado a máscara e fazia um discurso pacificador na Geórgia, estado que os democratas não levam desde a eleição de Bill Clinton, em 1992. Ao contrário do presidente que faz campanha hostilizando mulheres, negros, imigrantes e democratas, Biden tem repetido que sua eleição não é sinônimo de represália contra quem não votar nele.
Se um presidente Biden visitar São Paulo e for recebido por um prefeito Boulos, os dois terão em comum o fato de, ancorados na energia de uma base, terem conquistado o território relativamente imaginário chamado centro. É um lugar onde eleitores são mais abertos a novos argumentos.
O desafio do candidato não é dizer o que marqueteiros consideram popular, mas tornar popular o que precisa ser dito, sobre os prédios abandonados devendo IPTU em São Paulo ou a desigualdade do sistema de impostos nos EUA.
Biden concorre com uma agenda à esquerda da de Barack Obama, em 2008, apesar de meio século de cautelosa e nada esquerdista vida pública. Foi a maioria do eleitorado democrata que deslocou Biden para a plataforma da campanha de 2020.
Se um dia, de fato, entrarem num bar, Biden e Boulos podem trocar anedotas sobre o caminho improvável que os levou ao poder.
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