Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Nova York está noiva de Joe Biden

O presidente eleito é simpático à cidade e amigo pessoal do governador

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Nenhuma grande cidade americana precisava tanto da vitória de Joe Biden quanto Nova York. A pandemia do coronavírus trouxe devastação econômica por toda parte nos EUA, mas a cidade mais densa do país já havia entrado em 2020 vulnerável, com o aumento de população de rua e a locomotiva indispensável de sua economia, o sistema de transporte coletivo, dilapidado.

Tudo o que faz de Nova York a metrópole conhecida ajudou a tornar a cidade o primeiro grande epicentro de infecção e morte, a partir de abril. Os voos que chegavam da Europa trazendo levas de contaminados; a dependência de turismo, que trouxe 66 milhões de visitantes em 2019; a indústria cultural mais concentrada do hemisfério norte; a presença maciça do pequeno comércio, que emprega 1,3 milhão da força de trabalho local e não resiste a quarentenas prolongadas.

Passageiros no Grand Central Terminal, em Nova York, a dois dias do Natal - Spencer Platt -23.dez.2020/Getty Images/AFP

Não faltaram profetas do apocalipse nova-iorquino. Haveria fuga em massa da densidade insuportável, com a população confinada em pequenos apartamentos. O centro de Manhattan, com prédios de escritórios vazios, seria útil apenas como cenário de distopias do cinema. A MTA, agência de transportes públicos, que em julho anunciou uma hemorragia de US$ 200 milhões por semana, cortaria a frequência de metrôs em 40%.

Há exatos 45 anos, Nova York acordou com uma das manchetes mais famosas da sua história, na capa do tabloide Daily News: “Ford to city: drop dead” (Ford para a cidade: caia morta). O então presidente Gerald Ford mandara avisar que não ia autorizar qualquer pacote federal de resgate para a cidade à beira da falência. Salva à última hora por um acordo com sindicatos, se Nova York tivesse quebrado, calcularam, arrastaria mais de cem bancos credores país afora.

Joe Biden não é apenas um democrata simpático à cidade que só elege presidentes democratas desde 1924. Ele é um centrista com quem o governador e notório pugilista político Andrew Cuomo tem uma amizade pessoal.

Por conta da vitória de Biden, a agência de transportes públicos já adiou cortes catastróficos. Além disso, o próximo presidente adora tomar um trem. Ele passou 36 anos no Senado pegando o trem de Washington para casa em Delaware todo santo dia. Pouco antes de ser escolhido vice de Barack Obama, o apelidado “Joe Classe Média” tinha a distinção de ser o mais duro entre os cem senadores.

A agenda anunciada de Biden deve presentear Nova York com um projeto crucial que Donald Trump matou por puro despeito com a cidade que o detesta: o túnel sob o Rio Hudson, no oeste de Manhattan, que vai ligar a ilha a Nova Jersey, reduzir bastante o tempo de viagem do mais importante corredor interestadual da região, Nova York-Washington.

Sim, Nova York está sangrando com desemprego recorde, falências, explosão de população sem teto e um grave déficit. Otimistas estimam que o turismo aqui só se recupera por completo em 2025. Wall Street vai perder inquilinos fugindo para a Flórida ou Connecticut.

O sovina pacote de ajuda que os republicanos aprovaram no Senado inclui algum alívio para artes, teatros e casas de concertos. Não é estímulo, é apenas um esparadrapo.

Naquele tenso ano de 1975, um cartum publicado na Carolina do Norte mostrava um morador de rua sob a icônica ponte do Brooklyn. A legenda dizia: “Nós vamos quebrar, América, e vamos levar vocês conosco.” Mais uma vez, Nova York não deve sucumbir à sugestão de Gerald Ford.

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