Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Fartura de vacinas e escassez de fatos no combate à pandemia nos EUA

Será que, quanto mais o público percebe que os vacinados não viraram jacaré, a ignorância pode ser derrotada?

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Quando li o nome do motorista no aplicativo Uber, perguntei se era brasileiro. Ele sorriu atrás da máscara e, do outro lado da divisória de fibra de vidro, disse, em português: "Você está com sorte porque acabo de desinfetar o carro todo".

Respondi que a sorte era ainda maior. Depois de várias semanas tentando agendar a primeira dose da vacina para o coronavírus, tinha conseguido vaga em cima da hora. Disse que estava contente em saber que um brasileiro ia me depositar no posto de vacinação.

Era uma tarde ensolarada e a temperatura acima de zero me permitiu abrir a janela do carro. Sentia uma certa embriaguez, mas não era o vento no rosto. Era uma sensação de alívio, de luz no fim do túnel, depois de um ano de isolamento.

Adesivo identifica vacinados, com texto em espanhol, em posto de imunização no norte de Manhattan
Adesivo identifica vacinados, com texto em espanhol, em posto de imunização no norte de Manhattan - Lúcia Guimarães - 25.fev.2021/Folhapress

Vou chamar o motorista capixaba de Rodolfo porque ele não me deu permissão para usar seu nome. Perguntei quando ele tinha tomado a primeira dose, já que, pelo calendário de Nova York, motoristas profissionais têm acesso à vacina desde o começo de fevereiro.

Mas Rodolfo furou meu balão de euforia. “Não vou tomar, por enquanto. O Uber providencia tudo para nós, mas não estou confiando.”

Respirei fundo, a imagem da família no Rio que não tem previsão de acesso à vacina passou pela cabeça e me encheu de raiva. Comecei a argumentar com calma. Falei do meu pai, médico sanitarista que trabalhou com vacinação na Fiocruz antes de eu nascer. Falei da amiga epidemiologista que me informa regularmente sobre pandemia.

Perguntei ao Rodolfo: "Quem disse que a vacina não é confiável?". “Vários passageiros,” respondeu.

Mencionei a distância forçada. “Você não quer rever sua família no Espírito Santo?” Ele disse que sim, claro. Quando saltei, Rodolfo disse que ia reconsiderar.

Na terça-feira (2), Joe Biden anunciou que vai haver vacina para toda a população adulta até o fim de maio e não julho, como ele previra ao tomar posse.

O número de americanos que desconfiam da vacina era assustadoramente alto, em janeiro, quando o ex-presidente Donald Trump tomou a vacina escondido, ainda na Casa Branca, desperdiçando a chance de dar o exemplo para seu culto fanático.

A fundação Kaiser Family monitora a desconfiança da vacina e revelou, no final de fevereiro, que a resistência caiu dos 53% iniciais para 45%. Será que, quanto mais o público percebe que os vacinados não viraram jacaré, a ignorância pode ser derrotada?

Uma conversa com um jovem que trabalha com a pandemia me deixou desconsolada. Ele rastreia contatos entre pessoas infectadas e notifica os que foram expostos a elas. E, ainda assim, quer mais provas de segurança da vacina.

Pelo menos dois bispos da Igreja Católica americana estão aconselhando fiéis a evitar a terceira vacina liberada nos EUA, a da Johnson & Johnson. Eles dizem que essa vacina é “moralmente comprometida” porque usou células de fetos abortados na produção.

Por ser de dose única e armazenagem mais fácil, a vacina da Johnson & Johnson é a maior esperança para comunidades pobres, cujo índice de imunização é mais baixo.

Na semana passada, a arquidiocese de Nova Orleans aconselhou os mais de 100 mil católicos da cidade a optar pelas outras duas vacinas. Nova Orleans é a grande região metropolitana com maior índice de pobreza do país. A vacina é grátis para todos, mas o acesso não dá direito a escolher o fabricante da dose. Com mais de 80 milhões de espetadas, dizem virologistas, se duas vacinas já em circulação oferecessem algum perigo expressivo à saúde, já teria sido detectado.

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