Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Primária em New Hampshire mostra estado educado que escolheu ignorância

Resultado serve como alarme para situação da política eleitoral e do zelo pela democracia nos Estados Unidos

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Uma chapa presidencial "Jesus Cristo-Ronald Reagan-2024 teria perdido para Donald Trump em New Hampshire." Este foi o lamento de um articulista conservador após o resultado das primárias no estado nesta quarta (24).

New Hampshire, onde 94% da população completou o ensino secundário e mais de 40% têm ensino superior, serve como alarme para o estado da política eleitoral e do zelo pela democracia nos Estados Unidos. O Partido Republicano abdicou de qualquer iniciativa de se preservar como agremiação dentro desse sistema.

Eleitores na cidade de Manchester, no estado americano de New Hampshire, durante as primárias
Eleitores na cidade de Manchester, no estado americano de New Hampshire, durante as primárias - Ziyu Julian Zhu - 23.jan.2024/Xinhua

Na esteira da surpreendente vitória de Donald Trump, em 2016, a imprensa americana, envergonhada por não ter previsto a mudança de ventos, se embrenhou pelo interior do país. Decidiu que precisava dar voz aos eleitores, predominantemente brancos e conservadores, que preferiam ver na Casa Branca um cliente de atrizes pornô, um sonegador fiscal, associado de mafiosos e devasso frequentador da esbórnia pródiga em drogas da vida noturna de Manhattan.

Nascia o que ficou conhecido como a entrevista no "diner". O "diner" é a lanchonete americana que não varia de estado para estado, uma instituição que continua enraizada nos anos 1950, embora hoje sirva abacate na torrada, um sinal inconfundível de capitulação à onda pornográfica de novidades gastronômicas.

Pois os repórteres urbanos da mídia tradicional, mergulhados em culpa por gostar de música, cinema, teatro (e, imaginem, livros!) foram tomar o pulso do eleitor revoltado que elegeu Trump. Passamos anos ouvindo platitudes sobre esses eleitores esquecidos pela elite das costas Leste e Oeste.

Mas havia uma distinção clara –e que não foi propriamente destacada— entre um ex-mineiro de carvão desempregado na Virgínia Ocidental, cuja vida foi destruída pelo vício em opioides prescritos de forma criminosa após um problema de saúde, e personagens como o coronel que se tornou a celebridade da semana das primárias de New Hampshire.

O Coronel Ted Johnson, entrevistado pelo site Politico, foi eleito por uma mídia que cobre política como se estivesse numa corrida de cavalos o farol que explica a insistência de eleitores americanos em votar num criminoso indiciado 91 vezes com mais que evidentes sinais de demência.

Ted Johnson é um militar reformado que acredita que os EUA estão no meio de uma guerra civil e precisam de Donald Trump para "arrebentar com o sistema". Um cabra que passou décadas obedecendo às ordens de comandantes militares até entrar para a reserva, e que está tão entediado com sua casa confortável e sua pensão segura que admitiu a um repórter: "Trump expõe o Estado profundo, e vamos ter quatro anos miseráveis."

É o eleitor de Trump que defende punir o país todo —ou "quebrar tudo" (entre nós, reprimir minorias). O problema é que o coronel não vai sofrer miséria alguma. A economia do odiado Joe Biden vai bem para ele e continua a melhorar. E o que ele considera "arrebentar com o sistema" é um rol de crueldades contra imigrantes, negros, mulheres e crianças.

É necessário ouvir o coronel Johnson e admitir que sua bolha de pensamento é real. Mas é preciso agir para que esses niilistas privilegiados e entediados com o status quo não sejam elevados a oráculos da distopia trumpiana.

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