Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Lúcia Guimarães
Descrição de chapéu Estados Unidos Eleições EUA

Obsessão com idade de Biden mostra que imprensa política dos EUA está gagá

Repetição de 2016 distorce consequências reais da eleição e beneficia o mais criminoso presidente da história do país

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em novembro de 1983, um ano antes de concorrer ao segundo mandato, Ronald Reagan recebeu o então primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Shamir, na Casa Branca e discorreu, nostálgico, sobre seu papel na liberação de campos de concentração nazistas, no final da Segunda Guerra Mundial. O fato é que Reagan passou toda a guerra em Culver City, na Califórnia, como ator de filmes B, frequentemente fazendo papeis de tenentes ou recrutas.

Em 1986, com Reagan já reeleito e dando sinais evidentes do Alzheimer cujo diagnóstico só seria revelado em 1994, a repórter Lesley Stahl, da rede CBS, foi se despedir dele no Salão Oval. A jornalista havia passado mais de uma década como uma das mais visíveis correspondentes da Presidência.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante fala na Casa Branca
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante fala na Casa Branca - Jim Watson - 13.fev.2024/AFP

Stahl recordou em suas memórias, em 2011, que ficou perplexa ao notar que o presidente com quem tanto convivera não a reconhecia e aparentava estar perdido. Ela concluiu que, naquela noite, teria que "contar aos compatriotas que o presidente dos Estados Unidos é um cadete espacial trêmulo".

Stahl, assim como a elite dos repórteres lotados na Casa Branca, não revelaram ao público o que discutiam abertamente na sala de imprensa. Entre estes colegas está Chris Wallace, 76, cujo programa na CNN estampava na tela, no último sábado, a manchete: "A idade de Joe Biden é problema maior do que os indiciamentos de Donald Trump?"

Voltamos a 2016, à obsessão malfeitora da imprensa política dos EUA com os emails de Hillary Clinton e ao papel de cúmplice da mídia em facilitar a eleição do mais criminoso presidente da história do país.

Numa semana em que o republicano de 77 anos fez ameaças cada vez mais delirantes, sugerindo que a Rússia invada países-membros da Otan, quem exibe senilidade é o New York Times, que não para de debater o óbvio envelhecimento de Joe Biden, 81, com uma hipocrisia editorial notável. Interlocutores de Joe Biden não relatam preocupações com demência, mas, no domingo, o Times afirmava, na capa: "Biden é mais prejudicado por erros do que Trump."

É o tipo de cobertura descrita como "séria negligência jornalística" por ninguém menos do que Margaret Sullivan, ex-ombudsman do Times e hoje professora de jornalismo da Universidade Columbia.

Como é possível sugerir que os lapsos de memória de Joe Biden são mais sérios do que os sinais de demência de Donald Trump, um sujeito que Noel Casler, ex-produtor do seu reality show, garante, há anos, cheirava regularmente comprimidos esmagados de metanfetamina no set? O dito produtor nunca foi interpelado judicialmente pelos incidentes que detalhou.

Na terça (13), a jovem e popular deputada nova-iorquina Alexandria Ocasio-Cortez alertou no ar, durante o enésimo segmento sobre a idade de Biden: "Precisamos entender o que estamos contemplando neste país. Se Donald Trump for eleito presidente, não sabemos se haverá uma próxima eleição com integridade."

Pode-se debater a sensatez do idoso Biden em ter insistido em se candidatar. Pode-se criticar sua atitude sebastianista, o impulso de, mais uma vez, salvar o país do monstro Trump. Mas ele não roubou as primárias, e os eleitores ignoraram o único pré-candidato rival, Dean Philips, um mentecapto que sugeriu oferecer um ministério a Elon Musk.

A imprensa política deve ao público cobrir o que está em jogo, as consequências reais da eleição que ameaça o Estado Democrático de Direito. E não fulanizar a campanha.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.