Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Trump atrai de volta bilionários que denunciaram tentativa de golpe no Capitólio

Rejeição ao republicano após a insurreição fica em segundo plano diante de cortes de impostos e desregulação econômica

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Os aplausos irromperam, numa espontânea quebra de etiqueta no abotoado reduto da elite nova-iorquina. Naquela noite de novembro de 2016, o restaurante 21 Club, frequentado por presidentes, empresários e estrelas de Hollywood até fechar durante a pandemia, dava as boas-vindas ao presidente recém-eleito, dias depois da vitória que ele mesmo não esperava.

Donald Trump nem fingiu desconhecer o motivo da súbita adulação de uma classe que, até então, o rejeitava em festas da alta sociedade e comitês de museus. "Vamos cortar os impostos de vocês," anunciou aos comensais.

Ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, visita loja de conveniência no bairro do Harlem, em Nova York - Kena Betancur - 15.abr.24/AFP

No último dia 6, num salão decorado no estilo já descrito como "neo-Saddam Hussein", o bilionário financista John Paulson –fortuna de US$ 3,5 bilhões— diz à nova plateia de comensais, que pagaram US$ 250 mil para provar a culinária medonha do clube Mar-a-Lago: "Um dos pontos centrais da nossa agenda é estender os cortes de impostos aprovados em 2017."

Os cortes que Trump entregou e beneficiaram com desfaçatez pornográfica o 1% no topo da pirâmide de renda expiram em dezembro de 2025. Na terça-feira (16), Joe Biden vestiu a carapuça que os republicanos acreditam ser infame. Falando de sua cidade natal, Scranton, na Pensilvânia, Biden denunciou o regime fiscal que beneficia bilionários em detrimento das classes média e trabalhadora.

Sim, papo de campanha, mas longe de ser distorção da realidade que aguarda os americanos se o atual réu de um julgamento em Manhattan voltar a ter acesso às alavancas do poder federal.

Seria simplista concluir que apoiar um criminoso de carreira dando sinais de franca deterioração cognitiva é um gesto automático de autointeresse para os senhores do universo do capitalismo americano. E é injusto afirmar que esta classe rarefeita de detentores de grandes fortunas do país é monolítica.

Mas há de haver um lugar especial no inferno reservado para homens –sim, maioria homens– de meia idade ou idosos tratando uma eleição que pode destruir a integridade da democracia constitucional como um bilhete premiado de loteria, em completa negação do país que seus descendentes vão herdar.

As desculpas dos filhos pródigos de Mar-a-Lago desafiam a credulidade. Vários doadores de Trump neste ano o rejeitaram e denunciaram pela invasão do Capitólio. É preciso combater "o câncer da justiça social", clama um bilionário, convencido de que a maioria esmagadora dos eleitores, formada por não ricos, torce por injustiça social.

Um que se desculpou envergonhado por ter votado em Trump, no dia seguinte à invasão do Capitólio, disse que decidiu apoiá-lo por causa da "condição mental" de Biden. Outro diz que Trump é bom para o mercado de capitais. Esqueceu que Wall Street teve desempenho melhor sob Joe Biden e, convenhamos, Wall Street não é a economia experimentada pela população. A cereja no bolo dos financistas seria a promessa de Trump de dizimar mecanismos reguladores do mercado.

Devaneios autocráticos de bilionários como Elon Musk na rede social sugerem que, apesar do acesso à informação, eles e seus pares parecem viver numa bolha, ignorantes das consequências de coroar um novo Viktor Orbán ou Vladimir Putin. Orbán assalta capitalistas na Hungria com disciplina e método. Putin, o bundão subalterno da KGB, foi elevado por oligarcas já num sistema de corrupção endêmica, crime organizado e terror do Estado e, quando acorda zangado, despacha um para a prisão.

O país que praticamente inventou o anticomunismo sofre de amnésia sobre o papel da política na liberdade econômica.

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