Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Apoio evangélico a Donald Trump evoluiu para devaneios messiânicos

Para parte desse grupo, Deus mandou o republicano como um mensageiro imperfeito para a salvação

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Tenho alguma lembrança das aulas de catecismo que frequentava nos fundos da Igreja da Santíssima Trindade, no bairro carioca do Flamengo. Lembro também de assistir às aulas a contragosto, como preparação para a primeira comunhão.

Mas não esqueço das coisas que não aprendi naquele ano. Não aprendi que Jesus se referia a grupos de seres humanos como "vermes"; ou ridicularizava deficiências físicas; não me ensinaram que meu bem-estar dependia do sofrimento dos destituídos; nem me instruíram a encarar a morte em massa numa pandemia como a vitória da minha identidade.

Pela terceira vez em 8 anos, nos EUA, milhões que se dizem defensores dos evangelhos vão exibir sua descarada blasfêmia e vender Jesus como marqueteiros num esgoto de caixa dois. Vão votar em Donald Trump. Mas há uma diferença entre o pacto faustiano feito em Nova York, em 2016, e o passe livre para a incitação à violência e ao projeto fascista em 2024.

O ex-presidente dos EUA e candidato republicano Donald Trump fala durante a cúpula 'Pray Vote Stand' em Washington - Andrew Caballero-Reynolds - 15.set.23/AFP

Em 2016, o devasso empresário, que não seria capaz de citar qualquer passagem bíblica e mantinha um livro de textos de Hitler na cabeceira, fez a oferta que calou qualquer reserva moral entre os líderes evangélicos brancos: apoiem minha candidatura e vou aparelhar os tribunais com juízes até o aborto voltar a ser crime.

Neste ano de 2024, o untuoso réu sentado num tribunal de Nova York a partir do próximo dia 15, a metros da testemunha Stormy Daniels, estrela de filmes pornô que ele tentou silenciar sobre sexo para se eleger presidente, perdeu qualquer verniz do cristianismo que nunca abraçou, embora esteja vendendo bíblias a US$ 60 o exemplar.

Trump abre os comícios com o hino nacional gravado dentro da prisão pelos violentos e já condenados invasores do Capitólio, descritos por ele como "patriotas e presos políticos" que promete indultar se reeleito.

Se em 2016, a relação era transacional, o apego dos evangélicos brancos ao ex-presidente evoluiu para devaneios messiânicos. O país estaria em declínio —linguagem-código para "se tornando mais diverso culturalmente e menos branco"— e Deus teria mandado um mensageiro imperfeito para a salvação.

Nova-iorquinos calejados por anos de onipresença vulgar de Trump na mídia local ainda expressam espanto pelo fato de um ricaço promíscuo com vínculos passados com pelo menos uma família da máfia ser aceito nos piedosos cafundós rurais. Mas há quem acredite que é essa imagem de gângster, impressa na consciência nacional por Hollywood, o atrativo para o eleitorado evangélico. Trump é o capo mafioso que vai trazer a teocracia sem se deter diante leis e instituições.

Mas há sinal de que esse enorme curral eleitoral está encolhendo. No começo dos anos 1990, 25% dos americanos se identificavam como evangélicos brancos. Hoje, este grupo corresponde a 14% da população. Há uma tendência de afastamento da religião organizada entre outros grupos, como católicos, mas os evangélicos votam mais maciçamente em Trump.

O termo "ex-evangélico" começou a ser ouvido nos EUA em 2016, provavelmente usado por mulheres evangélicas perturbadas com o vazamento da gravação em que Trump se gabava de "agarrar as mulheres pela vagina".

Os ex-evangélicos podem continuar devotos de Jesus, mas afastados de suas denominações. Nota-se a emergência de uma reação ao nacionalismo cristão, que é muito menos profissão de fé do que um projeto de tomada do Estado, se necessário, por meios violentos. Mas os ventos podem mudar de novo, se o belzebu niilista favorito de tantos cristãos derrotar Joe Biden.

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