Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães
Descrição de chapéu Eleições EUA Estados Unidos

Recado para quem quer punir Biden por Gaza elegendo Trump

Não há justificativa para o horror no território palestino, nem para um esforço que traga o ex-presidente de volta

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Quem se lembra de Ralph Nader? Se você vive em Chicago ou Guaratinguetá, sua vida foi e é afetada por este senhor que comemorou 90 anos em fevereiro. Nader, o pai dos movimentos de defesa do consumidor, é um responsável pela introdução de cintos de segurança, na década de 1960, entre várias outras mudanças na indústria americana.

Mas também não podemos esquecer de Ralph Nader por um motivo nefasto. Ele ajudou a eleger o republicano George W. Bush, em 2000, concorrendo pelo Partido Verde, sem a menor chance de vitória. O democrata –e ambientalista!— Al Gore perdeu por 537 votos na Flórida, e a Suprema Corte decidiu a disputa pela contagem, num dos momentos mais vergonhosos do tribunal. Nader recebeu 97.421 votos no estado.

O então candidato à Casa Branca Ralph Nader participa de um evento de campanha em Seattle durante eleições presidenciais de 2004 nos EUA - Kevin Casey - 5.abr.04/AFP

Ralph Nader é um homem honrado. Um homem honrado a quem devemos o mentecapto que disputa com Donald Trump a infâmia de ser o mais catastrófico presidente da história dos EUA, o arquiteto da criminosa invasão do Iraque, em 2003, com base em mentiras sobre a culpa pelos ataques terroristas do 11 de Setembro.

A Guerra do Iraque ainda repercute sobre a soberania de países, produziu o terror do Estado Islâmico, provocou a explosão do militarismo privado e erodiu a ordem internacional que os EUA ajudaram a criar, depois da Segunda Guerra Mundial. Não trouxe democracia para o Oriente Médio e aumentou a instabilidade global. Se o planeta sobreviver ao negacionismo climático, a guerra há de ser citada no futuro como um forte empurrão ladeira abaixo no poder americano.

Ralph Nader continua a negar que sabia —e ele sabia bem— que estava, na prática, em campanha por Bush. Mas sua prioridade era convencer a esquerda de que era preciso usar o voto como protesto pelo notoriamente antidemocrático processo de escolha de presidentes neste país. O mesmo homem que tinha feito carreira como militante de base, num sistema em que, na época, a Presidência tinha poderes mais limitados e mais bem monitorados pelo Legislativo e pelo Judiciário.

Não poderia descrever aqui com precisão meu desprezo por Ralph Nader porque a Folha cancelaria esta coluna. Mas posso tentar descrever o que me assusta neste ano.

A tolerância de Joe Biden ao grotesco assassinato em massa de civis palestinos é abominável. Pode custar ao país a reeleição aterradora de Donald Trump? Sua campanha parece acreditar que não. Mas não sou eleitora de Joe Biden, votei em Lula para derrotar outro monstro. Estou em campanha pelo mundo que os meus netos vão herdar.

A militância esquerdista de base que emergiu neste milênio nos EUA aprendeu pouco com a eleição de 2000, menos ainda com a rejeição santarrona a Hillary Clinton, que nos presenteou com Trump, em 2016. Essa militância ignora, há três anos, ações progressistas do Executivo e alguns dos avanços legislativos mais importantes desde a Presidência do produtivo patife Lyndon Johnson.

Não há justificativa para o horror de Gaza. Nem por um esforço que traga Trump de volta. Duas coisas podem estar terrivelmente erradas.

O jornalista e escritor I.F. Stone, morto em 1989, foi um dos mais admirados expoentes da esquerda neste país. Certa vez, durante uma palestra, um espectador lhe cobrou explicações por admirar Thomas Jefferson, um dos fundadores da República, que era também proprietário de escravos, no século 18. A resposta de Stone foi sucinta: "Porque a história é tragédia, não melodrama."

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