Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luciana Coelho

'Objetos Cortantes' traz Amy Adams em seu melhor e mais sinistro papel

Série é baseada em livro homônimo de Gillian Flynn e estreia neste domingo (8), na HBO

Atriz Amy Adams em cena da série ‘Objetos Cortantes’, que estreia neste domingo na HBO  - Anne Marie Fox/HBO via AP

São raros nas telas personagens que se entreguem à desgraça e ao sofrer de forma tão abnegada quanto a Camille Preaker de "Objetos Cortantes", provavelmente por ser angustiante demais acompanhar a sua espiral para baixo e achar nela pontos de contato com a realidade mais cruenta.

É crucial, portanto, que na versão televisiva do livro homônimo de Gillian Flynn (2009), na HBO a partir deste domingo (8), a anti-heróina tenha sido entregue a Amy Adams, cuja potência e latitude como atriz costumam ser camufladas por papeis leves.

É Adams —na pele constantemente puncionada e cortada (daí o título) da repórter cujo trabalho a obriga a confrontar uma passado inquietante em sua cidadezinha natal no Missouri— que praticamente coage o espectador a continuar assistindo, fascinado, a tanta torpeza.

Patricia Clarkson ("A Sete Palmos"), como a mãe controladora que compartilha com a filha renegada uma tragédia pessoal, inflige a dose exata de terror psicológico para fazer a trama avançar em reverso, atrás de respostas para crimes, neuroses e vícios.

Na tela, a dupla funciona como ímãs de magnetismo intenso e polos iguais, que se repelem e gravitam graças uma à outra. Vê-las duelar em cena é um deleite que só se costuma experimentar no teatro.

O terceiro elemento no enredo é a cidadezinha de Wind Gap, um buraco no Missouri, estado do miolo americano onde a escolaridade fica aquém da média nacional e a pobreza, acima, pelo Censo.

Embora fictícia, serve de espelho a umas tantas cidades do mesmo porte dos EUA profundos, onde a vida é pouco mais do que esperar o tempo passar. O Missouri, aliás, é onde nasceu a escritora Flynn, e a horda de personagens desajustados que ela pôs para circular ali é bastante verossímil.

O que envia Camille de volta para lá é o assassinato de duas adolescentes que seu editor lhe pede para investigar. Ao tentar entender o crime e buscar suspeitos, ela vai desencavando também seu passado e o da família, cada um blindado nos próprios vícios.

Essa descoberta passa pela meia-irmã da protagonista, a adolescente Amma (Eliza Scanlen), que em casa se porta como filha amantíssima e nas ruas como líder perversa das adolescentes locais.

Essa perspectiva chega à TV de forma muito sombria pelas mãos da experiente Marti Noxon (de "Buffy" e "Dietland") e entregue, em seus oito episódios, à direção do canadense Jean-Marc Vallée, que já explorara recantos sinistros da psique feminina na maravilhosa "Big Little Lies" (2017, na mesma HBO).

Juntar o enredo de Flynn, o tino de Noxon e a habilidade de Vallé com atores servida pelo talento de Clarkson e Adams dá ao público um dos raros prazeres do ano —mórbido, entenda-se.

Gillian Flynn é acusada de misoginia por suas vilãs serem sempre mulheres e suas heroínas serem sempre tortas (é dela "Garota Exemplar", tornado filme em 2014). Bobagem. O feminismo, lembra a autora, dá às mulheres também a possibilidade de serem más.

‘Objetos Cortantes’ estreia na HBO neste domingo (8), às 22h

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.