Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luciana Coelho

'Wanderlust', na Netflix, põe desejo e parceria na balança

Minissérie trata de um casal de meia idade, com três filhos, e entediado com sua vida sexual

Toni Collette deitada no ombro de Steven Mackintosh, ambos sentados num sofá
Toni Collette e Steven Mackintosh como o casal aberto Joy e Alan em ‘Wanderlust’, da Netflix -  Matt Squire/Netflix/Divulgação

Existe um elemento profundamente teatral (e britânico) nos diálogos e no enredo da minissérie "Wanderlust" que são, ao mesmo tempo, seu trunfo e sua agonia em tempos de atenção errática.

Escrita para o teatro pelo dramaturgo-prodígio britânico Nick Payne quando ele tinha 26 anos, em 2010, a peça trata de um casal de meia idade, com três filhos, e entediado com sua vida sexual. Um acidente banal os faz repensar a situação.

Decididos a redescobrir o desejo, a terapeuta conjugal Joy (Toni Colette) e o professor Alan (Steven Mackintosh) passam a sair com outras pessoas e a manter relacionamentos paralelos.

Como a combinação só dá conta de regrar o aspecto lógico das relações em questão —jamais o físico ou o emocional—, é óbvio que os protagonistas e seus novos amantes logo estarão em compassos diferentes.

A premissa é boa e sempre pronta a novas roupagens, ainda que batida.

Payne, que faz sua estreia como "showrunner" na TV, em seus melhores momentos lembra o turbilhão psicológico de Edward Albee (1928-2016), de "Quem Tem Medo de Virginia Woolf", com um quê da força bruta de Sam Shepard (1943-2017), de "Louco de Amor".

Sua protagonista, à qual Toni Collette ("Pequena Ms. Sunshine") se entrega com volúpia, é um maremoto de angústias e impulsos preso a uma vida convencional, como tantas protagonistas teatrais. Mas a forma com que usa suas habilidades sociais e com que teme vê-las expostas a torna única.

Ver erodir o cotidiano matrimonial de Joy e Alan (que Mackintosh calibra com força suficiente para não ser engolido por Collette, sem contudo tentar competir) no primeiro episódio é uma experiência, na melhor das hipóteses, excruciante.

São diálogos tão crus e carregados de neuroses e medos que é difícil não ser tocado por aquela rotina moribunda e imediatamente simpatizar com a ideia escapista da salvação, torcendo para que a relação sobreviva.

Payne, sendo britânico, é impiedoso com seus personagens, e "Wanderlust", sendo originalmente teatro, se desenrola principalmente em diálogos cheios de sarcasmo que expõem personalidades mesquinhas.

Os pares alternativos dos dois, interpretados por Zawe Ashton e Dylan Edwards (principalmente), são propositadamente doces e menos envolventes do que o casal central, num contraponto.

Enquanto Joy e Alan tentam navegar por esse novelo sentimental, seus filhos lidam com as próprias iniciações no mundo dos afetos e atrações, num paralelo comovente com a falta de jeito e maturidade dos pais.

É artigo fino, servido em uma fotografia lindíssima e uma trilha sonora deliciosa de rock na qual se ampara a montagem, que requer paciência e talvez seja excessivamente mordaz e doído para tempos de autoindulgência.

Compensa como viagem incerta e instigante, tal qual o devaneio do par central.

‘Wanderlust’ tem seis episódios de 60 minutos e está disponível na Netflix

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.