Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Atualidade bizarra salva 'Você', um Dorian Gray do Tinder e da Netflix

Sem tédio, roteiro enrola o espectador a ponto de levá-lo a realmente querer ver até o fim

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Quando a empresária Elaine Caparroz abriu a porta do seu apartamento ao estudante Vinícius Batista Serra, com quem se relacionava havia oito meses, não sabia que estava recebendo um potencial assassino, que tentaria matá-la a socos enquanto ela dormia.

Nem bem as fotos do rosto desfigurado de Elaine haviam deixado o noticiário, as redes sociais viravam do avesso as vidas das atrizes Débora Nascimento e Marina Ruy Barbosa por causa do suposto envolvimento do marido da primeira,  o ator José Loreto, com a segunda. E de fotos vazadas.

O drama de Elaine não se compara em escala ao de Débora e Marina, mas uma linha comum os une: a discrepância entre o sujeito real com quem se envolveram e a persona pública criada por ele, anabolizada nas redes sociais pela necessidade de atenção.

Atenção, essa coisa em extinção diante da forma voraz com a qual a consumimos.

Essa história está bem contada na série "Você", da Netflix, um desses hits instantâneos que poderiam ser facilmente esquecidos se não falassem tanto aos nossos tempos.

Com aura novelesca, atores lindos porém péssimos e um possível recorde em cenas de masturbação que a deixam com cara de soft-porn, "Você" cresce em sua atualidade e fácil identificação. É impossível ver a série e não se sentir vulnerável e exposto.

E, por mais que o roteiro caia em buracos ou patine na limitação dos personagens, ele é esperto o suficiente para enrolar o espectador a ponto de você realmente querer ver até o fim. Não há tédio.

O segredo —talvez o único— é contar a história do ponto de vista do sociopata, ora vilão ora mocinho, que pesquisa exaustivamente todas as informações a respeito de seu objeto de desejo (e não há outra expressão possível aqui) disponíveis em redes sociais, até seduzi-lo e aprisioná-lo em cobranças e fantasias e paranoias.

O sociopata em questão é Joe (o divo teen Penn Badgley, de "Gossip Girl"), gerente de uma livraria, que em um instante elege Beck (Elizabeth Lail) como alvo de seus afetos e neuroses (atenção, eles se conhecem e flertam ao vivo, porque gente maluca não existe só na internet, embora ela ajude a cultivar a loucura).

O par é rodeado de gente que se nutre de aparências, as próprias e as alheias, e que, revela-se aos poucos, também integra a dinâmica central.

Conforme Joe vai se mostrando mais neurótico, seu rosto também vai se desfigurando, como uma versão para os tempos do Tinder de Dorian Gray, o personagem de Oscar Wilde (1854-1900) que faz um pacto para envelhecer apenas em um retrato escondido, o qual se deforma sempre que ele comete delitos.

A Netflix, cujos números jamais são expostos ou auditados, diz que "Você" foi vista por mais de 40 milhões de pessoas desde que chegou à plataforma, na última semana de 2018. Antes, a série passara insuspeita em um canal a cabo americano que tem como público gente de meia-idade ou mais.

Não se trata, apenas, de questão geracional. Há muito adolescente vendo Netflix (e quase nenhum vendo cabo), mas há também gente mais velha. A diferença entre o espectador do streaming e do cabo está nos hábitos. Quem adere à plataforma é afeito a algoritmos e, por isso, se reconhece mais facilmente na série.

"Você" está na Netflix, com a segunda temporada em produção

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