Há pelo menos dois modos de ler o final da terceira temporada de "True Detective", exibido pela HBO domingo passado (24), e nenhum depende de interpretação nem das teorias que alimentaram os fãs ao longo da exibição da série.
—Atenção, haverá spoilers.
O primeiro é um final feliz, atípico e provavelmente muito necessário desde que a desolação do noticiário passou a invadir também a ficção. Serve para quebrar um pouco o cinismo ao qual as melhores séries de TV nos acostumaram nos últimos anos.
Após sete episódios, somos informados que Julie Purcell, sequestrada na infância, está viva e feliz, casou-se com o amiguinho de escola e teve uma filha. Experimentou uma vida desgraçada antes disso, é verdade, mas não foi explorada sexualmente, não foi fisicamente ferida, e a morte de seu irmão foi um triste acidente.
Tudo é explicado de uma maneira frustrante para quem acompanhou avidamente a trama bem construída, e às vezes arrastada, do roteirista e diretor Nic Pizzolatto: um dos personagens-chave explica aos heróis, os detetives Wayne (Mahershala Ali) e Roland (Stephen Dorff), tudo que eles passaram a vida tentando em vão elucidar.
Wayne tem um insight, checa se Julie é mesmo a moça que ele acha ter visto dias antes, e todos vivem felizes para sempre, exceto o espectador.
Parece que depois de muito se alongar em cenas de estrada e nas alucinações de Wayne, Pizzolatto foi obrigado a entregar logo esse roteiro.
A outra forma não foge à desesperança geral que toma a dramaturgia, mas faz jus aos aplausos que o roteirista recebeu por sua estreia, em 2014.
Diante de toda a explicação que recebe, Wayne segue seu instinto para descobrir se Julie (Bea Santos) está viva, mas, ao encontrá-la, esquece o que está fazendo. Ele volta para casa, resgatado pelo filho, sem nunca saber que solucionou o mistério da sua vida.
A última cena —e o diretor fez questão de frisar o laço, ao responder perguntas de fãs em sua conta no Instagram— o traz sozinho e fardado, entrando em uma floresta escura talvez no Vietnã. É a mesma cena em que o deixamos no primeiro episódio, onde a doença que lhe leva a memória é revelada, e espelha o mundo que o escritor vê:
Mesmo quando as coisas dão certo, estamos completamente à mercê do imponderável. E isso não necessariamente é ruim.
A opção pela melancolia dessa segunda constatação nos deixa em terreno niilista, até sádico. A boa notícia recém-recebida é imediatamente tirada do protagonista antes que ele tenha a chance de transmiti-la para outras pessoas. É contudo, também, um alerta de que nem sempre as respostas para dúvidas e medos são as piores possíveis, como tendemos a esperar.
Pizzolatto é um excelente ficcionista de volta à forma original após o lapso da temporada intermediária, e o controle que exerce sobre o público, sem trucagens, é raridade.
Para quem se interessa por roteiros e já assistiu à série, vale acompanhar sua interação com os fãs no Instagram.
“True Detective” está disponível na HBO on Demand
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