Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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'The Crown' chega ao fim melancólica como a monarquia pós-Elizabeth

Seriado da Netflix tropeça ao tratar da atualidade, mas brilha quando se volta para a figura central da própria rainha

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Eis um spoiler: a rainha não morre no final, ainda que o tema permeie fortemente o enredo. Dito isso, a leva derradeira de episódios da série "The Crown" é tão melancólica como a monarquia britânica pós-Elizabeth.

Em seus sete anos e 60 episódios, os cinco últimos dos quais entram no ar nesta quinta-feira (14) na Netflix, o drama histórico criado por Peter Morgan oscilou entre a acurácia, o humor seco e o sentimentalismo.

Revelador por vezes, sensacionalista ou ficcional em outras, esforçou-se para mostrar os Windsor como gente de carne e osso, com qualidades e defeitos. Não raro, errou a mão (vide o Charles de Dominic West, quase um galã, quase um estadista).

Nada disso apequena o tour de force em executar uma série que atravessa um período histórico tão longo, parte dele muito viva na memória do público, enquanto parte considerável de seus protagonistas circula por aí, e há um séquito de historiadores, jornalistas, sociólogos e outros experts dedicados a dissecá-los.

"The Crown", em que pesem seus momentos ruins (e estes se multiplicaram a cada temporada), é uma das séries mais marcantes dos últimos anos.

Reverências feitas, há de ser dito que a série desapontou muito(s) nas duas temporadas finais. Talvez porque sejam histórias e nomes mais frescos na memória do público, talvez porque, à guisa da própria Coroa, a grandiosidade e a pompa tão fascinantes nas primeiras décadas tenham caído em desuso.

Não é diferente nestes seis episódios finais, que a Netflix lança após um hiato de um mês dos quatro anteriores. A história acaba no casamento de Charles e Camilla (Olivia Williams), portanto, antes da morte de Elizabeth, em setembro do ano passado, aos 96 anos.

São os anos em que a rainha e a realeza passaram por uma grave crise de imagem após o acidente que matou precocemente a princesa Diana, em 1997. É, também, o mesmo período abordado por Morgan no roteiro de "A Rainha", filme de 2006 com direção de Stephen Frears e Helen Mirren no papel-título.

Muito além das fofocas habituais ou dos questionamentos à pertinência da monarquia, a família real, e a própria Elizabeth, foram culpados pelo desfecho trágico em Paris, por seu desdém à princesa, por sua arrogância, pelo sem-fim de limitações e normas rígidas a que submeteram a ex-plebeia, por sua infelicidade no casamento.

A série de Morgan é abertamente condescendente com os Windsor, mostrando-os enlutados e temerosos, mas ousada em mostrar sua vulnerabilidade. A imprensa, também vilanizada na época, aparece do lado mau da força apenas nas palavras dos príncipes William e Harry, compreensivelmente reativos aos paparazzi que perseguiram sua mãe por duas décadas.

Mas, ao optar por virar o holofote da avó para o neto mais velho, hoje primeiro na linha de sucessão ao trono, "The Crown" deixa de lado seu maior ativo para enveredar no romance juvenil.

Com um ator medíocre encarregado do papel, Ed McVey, o sofrimento do personagem só não é mais inverossímil do que é enfadonho. Azar do espectador que boa parte dos episódios se concentrem na personalidade mais pálida da família.

A Kate de Meg Bellamy ao menos é um pouco mais vivaz, mas igualmente rasa quando comparada aos demais, e sua mãe, a empresária Carole Middleton, é retratada basicamente como uma caça-dotes.

Há, contudo, dois episódios que brilham nessa leva final, não por acaso ambos concentrados na rainha e em suas peculiares relações pessoais. Um deles é o sexto, "Ruritânia", dedicado ao discreto antagonismo entre Elizabeth e seu premiê de turno, o trabalhista (e internacionalista) Tony Blair (Bertie Carvel).

Não apenas os diálogos sobre a geopolítica de então —Kosovo, 11 de Setembro, Iraque— são uma preciosidade que ganha sabor no retrovisor da história, como a competição entre os dois pelo amor das multidões resulta em cenas memoráveis graças ao talento imenso de Imelda Staunton.

A atriz que personifica a monarca em sua terceira idade costura altivez, mesquinharia e contenção, além de um humor sutil e certeiro, a ponto de superar "Elizabeths" anteriores, as magníficas Olivia Colman e Claire Foy. As duas, alías, aparecem em participação especial no décimo episódio para uma bonita conversa existencial entre rainhas.

O segundo episódio excelente é o oitavo, "Ritz", calcado todo na princesa Margaret, irmã da rainha e, como descrito pela própria em discurso, sua companheira da vida toda (sim, mais do que Philip ou qualquer um dos filhos). Margaret sempre foi apresentada na série como a sombra de Elizabeth, seu contraponto, o que ela poderia ser caso extravasasse seus anseios.

Entregue a Lesley Manville, atriz memorável por sua atuação em "Trama Fantasma" (2017), ela é luz e energia mesmo em seu ocaso, e a cumplicidade tecida com Stauton/Elizabeth compensa os escorregões da temporada.

Ao longo da série, a reação da família real foi discreta. A rainha questionava "por que alguém quereria ver um drama fictício" sobre sua vida, relatou uma prima à Vanity Fair; Charles ficou desgostoso com sua versão nas telas, e William expressou incômodo, segundo o jornal The Standard.

Harry, tratando o drama como ficção em entrevista a Stephen Colbert, gostou: "Estou mais confortável com ‘The Crown’ do que com as reportagens sobre minha família".

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