Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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'A Outra Garota Negra' faz de boa premissa um pastiche de 'Corra!'

Alegoria sobre racismo e misoginia derrapa ao misturar gêneros e não elaborar personagens

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Há duas referências persistentes em "A Outra Garota Negra", série do Star+ produzida pelo Hulu que mistura suspense e momentos cômicos para tratar de racismo e misoginia em suas muitas formas.

Uma é "The Stepford Wives", o livro de Ira Levin lançado em 1972 que ganhou versão para o cinema em 2004 ("Mulheres Perfeitas"). Outra é "Corra!", o genial terror social de Jordan Peele lançado em 2017.

Tanto "Corra!", sobre um homem negro nas mãos de uma seita de pessoas brancas que querem usar seu corpo para rejuvenescer, quanto "Mulheres Perfeitas", que trata da idealização de uma esposa desprovida de desejo ou falha humana, usam sarcasmo e alegoria de forma incisiva. "A Outra Garota Negra", assinada por Rashida Jones e Zakiya Dalila Harris, autora do livro homônimo, evoca ambas as obras sem chegar lá.

A série parte de uma excelente premissa: a solidão de uma mulher negra em um ambiente elitista onde há apenas pessoas brancas e o que ela está disposta a fazer para se enquadrar. Tem seus bons momentos, mas se perde entre as tentativas de ser ora suspense, ora farsa, ora um drama à la Shonda Rhimes.

A protagonista é Nella Rogers (Sinclair Daniel), uma aspirante a editora de livros que quer "mudar o sistema por dentro" infundindo novas perspectivas em uma empresa que, após estourar com o romance de uma autora negra e esquecer que essa parte do leitorado existia, adota "diversidade" como ferramenta de marketing e vendas.

Há ali um mistério, marcado pelo sumiço da editora sênior que trabalhou nessa obra, a única negra a ocupar o posto na empresa, há três décadas. Não por acaso, ela se tornou a musa da heroína.

Nella é a expressão do dilema entre dizer o que pensa e satisfazer as expectativas alheias, aquiescendo pelo bem da empresa, de pessoas brancas, e de um suposto gosto do público, orientado por pessoas brancas. É por isso que quando Hazel (Ashleigh Murray), também negra, começa a trabalhar na baia ao lado, ela é só felicidade. Até a nova amiga parecer boa demais para ser de verdade.

Em sua primeira metade, "A Outra Garota Negra" intriga e informa o espectador. A maior parte do mérito é de Daniel, que compõe uma Nella crível entre suas hesitações e certezas e carrega a série com uma interpretação sóbria e palpável de alguém que precisa provar ao mundo e a si mesma o tempo todo que é capaz de voos mais altos —algo ainda tristemente recorrente entre mulheres, especialmente negras.

Esse dilema, no cerne da história, acaba engolido pela ânsia de reproduzir a perspicácia de "Corra!" ou a ironia de "Stepford Wives". Para piorar, os demais personagens são todos bidimensionais. Os clichês da amiga negra desbocada e da mulher de meia-idade que trocou a vida pessoal pela carreira estão lá, e os malvados da história jamais têm suas motivações apresentadas.

Há potencial para uma segunda temporada, desde que se confie mais na inteligência do espectador. Caso contrário, "Corra!" deixa de ser inspiração e passa a ser conselho.

Dez episódios de meia hora; disponível no Star+

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