Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo

Medicina psicodélica para curar e expandir nossos conhecimentos

Na última década, cientistas esforçam-se para reabilitar área de pesquisa

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O frei espanhol Bernardino de Sahagun provavelmente estava preocupado com grandes questões humanas quando deixou a Espanha para investigar civilizações além-mar, em terras recém conquistadas.

Impressionado com diversos costumes nativos, teve a brilhante ideia de documentar o que via. Desta forma, em 1529, ele publicou o primeiro texto para a Europa sobre o cogumelo teonanacatl, a “carne dos deuses”, comido em rituais Astecas. O religioso escreveu sobre as propriedades tóxicas e medicinais do cogumelo, que feria a garganta e enfraquecia o coração. Mas recompensava causando sensações luxuriantes, mais visões extraordinárias.

A coroa espanhola teve diferente atitude. Na medida em que consolidava seus poderes sobre as terras americanas, esforçou-se para acabar com os ritos nativos. Em vão, pois os rituais atravessaram os séculos adaptados em novos cultos xamânicos. E mais uma vez despertaram o interesse de mentes investigativas.

Por isso, um grupo de botânicos de Harvard em 1936, logo após acompanharem cerimônias de cogumelo no México, passaram a estudar o Psilocybe mexicana, o ingrediente principal dos caldos místicos. Também enviaram este cogumelo para o químico Albert Hoffman, o descobridor do LSD. Desconfiado, o cientista engoliu os espécimes em uma tentativa de se convencer de que ao seu dispor estava realmente um alucinógeno.

Após os efeitos passarem, Hofmann isolou a substância ativa do cogumelo, e a batizou de psilocibina. Anos depois, em 1960, a substância era vendida na forma de comprimidos em farmácias, com a promessa de auxiliar a psicoterapia

Atento aos acontecimentos da época, o escritor Aldous Huxley e o psiquiatra Humphry Osmond cunharam a palavra psicodélica —derivada do grego para manifestação da mente— para classificar drogas como o LSD e a psilocibina.

A medicina psicodélica florescia com o apelo peculiar de expandir a consciência, elucidar boa parte do funcionamento cerebral e tratar doenças mentais. A expectativa de que o LSD era a droga da verdade cresceu tanto que interrogados por agentes da CIA recebiam doses desta substância antes de serem arguidos. Enquanto isso, a psilocibina parecia trazer à ciência as misteriosas sabedorias terapêuticas de tradições ancestrais, e unia a cura farmacológica à cura espiritual.

Os entusiastas festejavam a solução para muitos males psicológicos, porém, em paralelo, as drogas psicodélicas ganhavam as ruas apenas para divertir usuários. Não tardou para os hospitais atenderem muitas pessoas intoxicadas, em paranoia. Ademais, o assassino Charles Manson teve sua imagem associada ao LSD. Realmente, nem tudo eram submarinos amarelos. Para piorar, os estudos científicos que qualificavam drogas psicodélicas para uso medicinal eram muito ruins. Sempre devemos lembrar que qualquer terapia tem seus limites, e devemos desconfiar de especialistas que resolvem qualquer problema humano. Assim, na década de 70, a medicina psicodélica foi quase completamente esquecida.

Porém, as grandes questões sobre o sofrimento e a mente continuam a inspirar. Sem desânimo, na última década, alguns pesquisadores esforçam-se para reabilitar a medicina psicodélica. E tentam responder se de fato tal terapia pode aliviar a dor de populações muito vulneráveis ao sofrimento, como doentes terminais, ou aqueles que enfrentam depressões intratáveis.

O esforço foi coroado. Recentemente, nas páginas do New England Journal of Medicine, o mais impactante periódico médico do mundo, foi publicada uma pesquisa clínica que comparou os efeitos da psilocibina contra as ações de um antidepressivo tradicional, o escitalopram. O conjunto de resultados favoreceu a psilocibina sobre o escitalopram.

Este estudo é um marco, mas não define a psilocibina como a melhor opção contra a depressão. Existem muitas questões a serem respondidas, por exemplo: o efeito antidepressivo se deve a alguma experiência transcendental, ou seria meramente um resultado bioquímico, independente das alterações mentais? Existe risco de dependência? O efeito perde-se após tratamento prolongado? As drogas psicodélicas podem nos ajudar a desvendar a interface entre a mente e o cérebro, e ampliar nossas percepções, ou seriam apenas um subproduto de uma ideia extravagante.?

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