Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo
Descrição de chapéu Mente enem universidade

O sertão pode virar mar

A ciência brasileira tem condições de sanar problemas e planejar o futuro

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Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Marilia Zaluar Guimarães, neurocientista e coordenadora-adjunta da Rede Nacional de Ciência para Educação.

Qual a importância do sono para o aprendizado? Qual a melhor maneira de estudar? A idade ideal para aprender uma nova língua? São muitas as perguntas e as possibilidades de conduta em relação ao ensino formal. Ao longo dos anos, fomos descobrindo por tentativa e erro qual seria a melhor estratégia naquele momento.

As diferentes tentativas, porém, levam anos para serem avaliadas, e nem sempre são avaliadas de maneira objetiva. O melhor para uma geração pode valer para a seguinte? E, nesse período pós-pandêmico, como mitigar as perdas no aprendizado e interação social? Essas respostas, urgentes, não foram previstas por pensadores do século 20.

Corredor da Escola Caic Raimundo Pimentel Gomes, em Sobral (CE)
Sobral, no Ceará, um mar no sertão da educação brasileira, investe no desenvolvimento de competências socioemocionais de seus alunos - Marilia Cemelo - 16.set.19/UOL

A ciência pode ajudar abreviando o tempo entre experimentação e aplicação, e aumentando a eficácia e a escala das medidas educacionais. Na Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE), entendemos que são necessárias diferentes ciências para compreender a aprendizagem e diminuir suas dificuldades.

A rede congrega pesquisadores de áreas como pedagogia, neurociências, fonoaudiologia, psicologia, economia. Dentre seus objetivos, ela visa não só implementar interações científicas, mas também fomentar pesquisas em educação, e, claro, subsidiar professores e escolas para aplicar esses conhecimentos. E isso é mais do que fazer divulgação científica: é trocar ideias com quem está no chão da escola.

Este ano realizamos uma pesquisa entre professores e gestores escolares com as seguintes perguntas: como a rede pode contribuir com você e como você pode contribuir com ela? Quais as dificuldades de acesso a esse conhecimento e de sua aplicação? As respostas de centenas de professores ainda estão em análise, mas já está claro o interesse pela ciência da educação.

Uma pesquisa na Plataforma CpE (plataforma-cpe.org) com a palavra-chave "socioemocionais" revela que há mais de 3.000 pesquisadores dedicados ao tema, um dos quais a maioria dos professores gostaria de conhecer melhor. E por que o assunto atrai tanto? Pesquisas realizadas por economistas associados da Rede CpE mostram que habilidades socioemocionais bem desenvolvidas podem ser o antídoto para obstáculos ligados ao status socioeconômico. Ou seja, crianças e jovens de baixa renda e vulneráveis que têm a oportunidade de desenvolver essas habilidades têm mais chance de completar o ensino formal, entrar na universidade, e ter uma boa renda quando adultos.

Não é à toa que Sobral, no Ceará, um mar no sertão da educação brasileira, investe no desenvolvimento de competências socioemocionais de seus alunos, em conjunto com o Instituto Ayrton Senna, por sinal também parceiro da Rede CpE. Essas competências estão na Base Nacional Comum Curricular, e são agrupadas em autoconsciência, autogestão, habilidades de relacionamento e tomada de decisão responsável. Os professores não têm formação nessa área e ainda há muito a ser pesquisado. Como, por exemplo, trabalhar essas competências num mundo digital?

As tecnologias, por outro lado, estão impondo questões inéditas. Nosso cérebro está mudando? Provavelmente, sim, por meio de um processo conhecido como neuroplasticidade —a capacidade de adaptação do cérebro a novas experiências e aprendizados. Foi o que ocorreu com a invenção da escrita.

Hoje sabemos quais as áreas cerebrais cooptadas para realizar tarefas de leitura, e uma delas é usada para reconhecimento de faces por indivíduos analfabetos. Então o cérebro de alfabetizados funciona diferentemente daqueles de analfabetos, assim como o cérebro de nativos digitais funciona de forma diferente daquele de imigrantes digitais.

O aprendiz mudou. O mundo mudou. E a pandemia ampliou o abismo que já separava privilegiados e vulneráveis. Mas a ciência brasileira tem condições de expandir suas pesquisas e interagir com o sistema educacional para sanar problemas e planejar o futuro. Para isso, precisamos de investimentos. Só assim, quem sabe, o sertão vai virar mar. E a Rede CpE está pronta para fazer sua parte.

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