Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Lula pelega quando cuida da questão militar

Sessenta anos depois, o golpe de 64 inibe o presidente

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Por alguma razão insondável, Lula pelega quando cuida da questão militar.

A palavra "pelego" parece imprópria, mas foi cunhada para designar a pele do carneiro, com a lã, que deixa mais confortável o cavalgar. No ambiente sindical, define a liderança que não gera atrito entre trabalhadores e patrões e governos.

Luiz Inacio Lula da Silva durante evento para receber o presidente da França, Emmanuel Macron, no Palácio do Planalto
Luiz Inacio Lula da Silva durante evento para receber o presidente da França, Emmanuel Macron, no Palácio do Planalto - Gabriela Biló/Folhapress

Quando Lula apareceu em São Bernardo, desafiava o regime militar e a tradição sindical pelega. Mas, assim como nos mandatos presidenciais anteriores, Lula não fere as suscetibilidades das Forças Armadas.

Essa opção política fica evidente quando se observa a atitude de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), filho de general.

Foi no governo de FHC que se instituiu, por lei, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, com a finalidade de levantar pistas dos desaparecimentos e avaliar casos de morte não natural de militantes políticos em estabelecimentos policiais ou assemelhados.

Em 1996, a Comissão se reunia e avaliava a pertinência dos pedidos. A tensão política, registrada pela imprensa, instala-se quando entram em pauta os casos Lamarca e Marighela. "Exército espera reação no caso Lamarca" (Folha, 31/7/1996), "Militares pressionam contra indenizações" (O Globo, 6/9/1996), mas em nenhum instante o governo tenta interferir.

O governo não oculta os documentos da "Operação Pajussara" encontrados, 25 anos depois, em cofre da Polícia Federal, em Salvador, entre eles o laudo cadavérico de Lamarca, que ajuda a esclarecer as circunstâncias da morte.

A Comissão reconhece a responsabilidade do Estado porque agentes policiais, em vez de promoverem a prisão dos dois dirigentes da luta armada, optaram por sua execução sumária.

"Revolta na cúpula militar" (Jornal da Tarde, 12/9/1996). Morre o ex-presidente Geisel no dia seguinte. O Clube Militar promove ato público contra a decisão da Comissão e dele participa o ex-presidente Figueiredo. É neste contexto que o ex-deputado Jair Bolsonaro lamentaria não terem sido eliminados traidores da pátria como Fernando Henrique.

O comando das Forças Armadas classifica a decisão com um "sapo histórico", mas a disciplina prevalece. "Na democracia, não existe alternativa para o respeito à lei", assegurava o porta-voz da Presidência.

Em julho de 2003, a Justiça Federal determinou a imediata abertura dos arquivos militares sobre a guerrilha do Araguaia, concedendo prazo de 120 dias para que fossem revelados locais de sepultamento de guerrilheiros mortos. Para espanto geral, o governo Lula recorreu da decisão que quebrava o sigilo.

Para enfraquecer a Comissão Especial criada em 1995, institui por decreto uma comissão interministerial, sem independência, para, em sigilo, localizar restos mortais de desaparecidos.

Surpresos e decepcionados, familiares de militantes políticos acusaram o governo Lula de acobertar crimes cometidos durante a ditadura militar.

Em 2007, surge um relatório pífio da tal comissão interministerial afirmando que, segundo informações das Forças Armadas, os documentos teriam sido destruídos legalmente, sem dizer, no entanto, quando, onde, como e por ordem de quem teriam sido "destruídos", o que denuncia a mentirinha.

Agora, além de não recriar a Comissão de 1995 que Bolsonaro fez questão de sepultar, Lula, que tanto carinho sente pelas Forças Armadas, proíbe atos contrários ao golpe de 64 no âmbito de seu governo –como convém a um bom e eficaz pelego.

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