Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

Os golpistas

Sobre conciliação e impunidade

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"Eu tenho parentes lá", explicava José Múcio, com uma franqueza quase infantil, logo depois de tomar posse. Para o ministro da Defesa de Lula, os acampamentos na frente dos quartéis do Exército, em diversas cidades de muitos estados, pedindo intervenção militar para a anulação da eleição presidencial, eram "manifestação da democracia".

Regados a discursos inflamados, cumplicidade militar, churrascos, gincanas, banheiros químicos e shows de música gospel, os acampamentos (continuidade política da obstrução de estradas por caminhoneiros) já haviam emitido sinais de periculosidade.

Em 12 dezembro, diplomação de Lula no TSE, acampados tentaram invadir a sede da Polícia Federal em Brasília em represália à prisão de indígena bolsonarista. Cenas de quebra-quebra, bloqueio de ruas, incêndio de automóveis e ônibus.

Homem quebra janela do Palácio do Planalto, em Brasília, durante atos golpistas - Gabriela Biló - 8.jan.2023/Folhapress

Dias antes, o presidente Bolsonaro rompia o silêncio de mau perdedor mandando recado para apoiadores: "Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai (sic) as Forças Armadas são vocês".

O primeiro ensaio de golpe conta com a omissão das forças policiais. Ninguém foi preso em flagrante na noite dos distúrbios pela Polícia Militar, comandada pelo governador Ibaneis Rocha. Talvez seja o único caso de quebra-quebra sem detenção de ninguém na história do Brasil.

O ministro da Justiça, Anderson Torres, jantava fora com a família. Só se manifestou sobre o tumulto que aterrorizou Brasília, com a gravíssima tentativa de invasão daPF, por ele comandada, depois de encerrada a janta, pelo então Twitter ("tudo será apurado"), quando a suspeita de omissão já estava no ar.

Os dias passam, Anderson Torres, o omisso de confiança de Jair Bolsonaro, foi nomeado secretário de Segurança Pública do Distrito Federal por Ibaneis Rocha. É como designar o bode para gerir a horta. O cenário do golpe permanece montado, apesar da sucessão.

Um ano depois, o STF trata o 8/1 como "dia da infâmia". Foram instauradas 1.354 ações penais contra acampados. Trinta condenações. As penas variam de três a 17 anos de prisão. Foram celebrados 38 acordos, encerrando processos de réus que não participaram diretamente de depredações. Há 66 presos preventivamente. As defesas se sentem cerceadas, reclamam dos julgamentos virtuais.

Mas nem tudo é pressa no Distrito Federal. A nata golpista, nela incluído Jair Bolsonaro, declarado inelegível pelo TSE (tem mais de dois votos no STF), permanece em compasso de espera e tolerância.

Denúncia criminal contra a cúpula da PM de Ibaneis Rocha, apresentada pela PGR em agosto, ainda não foi apreciada pelo STF.

Não há ação penal contra Anderson Torres, preso e solto, com tornozeleira eletrônica, pelo STF. Nem contra Ibaneis: ex-presidente da OAB-DF, o governador aparentemente fez as "pazes" com os guardiães da democracia. Afastado do governo, submergiu e voltou ao poder, discreto, com eventuais falas protocolares contra golpistas.

Não há notícia de processo contra comandantes militares que viabilizaram os acampamentos. Não se sabe quais e quantos oficiais são investigados. Para o Exército, nada é grave, só há "infração disciplinar".

A tão almejada "conciliação" do país (ou das autoridades) com as Forças Armadas, é capaz de replicar, em relação aos acontecimentos de 8/1, o desfecho cínico da ditadura: impunidade. Além de reverberar, é claro, o inabalável princípio de que cadeia é boa para pés de chinelo.

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