Luiz Horta

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Luiz Horta
Descrição de chapéu

Dobrado para um chef simples

Dobradinha da Dona Onça
Dobradinha da Dona Onça - Mauro holanda/Divulgação

Morreu Paul Bocuse, o chef estrela antes de se inventar o jet-chef, o nome mais famoso no século 20 (desculpe Ferran Adrià, mas quase ninguém se lembra mais de você) e uma figura trivial na nossa vida, tão presente que ninguém acreditava que morreria um dia.

Foi neste erro, pensando que ele era eterno, que acabei nunca comendo no seu restaurante mais famoso. "Fica para a próxima", eu pensava. E ficou.

Como queria homenageá-lo, pensei na sua Lyon natal, nas tripas à moda lionesa, e saí para comer dobradinha. Fui ao Bar da Dona Onça. Estava ótima, no ponto certo de suas características (dobradinha é como gaita de foles, alcaçuz e coentro: ou se detesta ou é festa). Fica muito bem com um vinho simpático, sem maiores confusões.

Cada dia me interessa mais o prático, o simples, o imediato. Já devo ter falado de um ensaio do pensador alemão Hans  Magnus  Enzensberger, pois é algo que me persegue. Ele pensava, nos anos 1990, o que seria o luxo na nossa época. Não seriam os tradicionais jatos, iates e relógios bling-bling douradões, mas silêncio, acesso a água pura, tempo disponível, e acertou completamente. Eu acrescento que no vinho (e na comida) luxo é a simplicidade.

O jantar elaborado num três estrelas parisiense, com serviço exemplar, grandes vinhos e a comida de melhores produtos disponíveis (estou pensando especialmente no "Le Cinq" do chef LeSquer, restaurante do Hotel Four Seasons George V) é maravilhoso. Mas é algo para uma vez por ano, no máximo.

Por isso me choca mais uma cena que testemunhei recentemente. Estava jantando (não vou dizer onde, é claro) e chegou um sujeito com duas caixas grandes. Achei peculiar que se vá jantar com caixas, mas podia ser entregador de algo. Sentou-se. De uma delas tirou seis garrafas de vinhos que ficou minuciosamente explicando ao sommelier, verificando o balde de gelo, sendo "enochato".

Já levei vinho para restaurante e não estou me excluindo de culpa. Mas a segunda caixa foi a que me irritou, era de taças, as caríssimas Zalto (você que gastou uma fábula em taças Riedel, está desatualizado; o máximo agora é ter Zalto, a turma de Zalto alto como eu chamo). "Ué!", pensei, se o cidadão leva vinho e taças para o restaurante, deveria levar uma quentinha com a comida e pagar pelo uso da mesa. Ou comer em casa.

Estas duas coisas, a comida correta, gostosa, despretensiosa e o ridículo que é a afetação são minha homenagem ao Bocuse. Ele sabia fazer a primeira e rechaçar a segunda para alegrar os comensais. Sejamos simples.

Tripas de fora

Há uma aversão por miúdos, partes dos bichos que não sejam o filé. Nem existe aqui a figura do tripeiro (é fenômeno mundial, Paris está protegendo seus dois últimos tripeiros de verdade ainda em atividade). Mesmo assim, o culto desta comida suculenta e poderosa permanece. A dobradinha nunca saiu do cardápio de quem come omnivoramente.

Há tanta preocupação em utilizar tudo receitas com cascas de frutas, com sementes que nem sabíamos que existiam, matinhos não convencionais pois no mesmo tom é preciso comer os bichos inteiros. Rins, fígado, tripas, coração. Houve todo um movimento, com o chef inglês  Fergus  Henderson à frente, pedindo para se comer "nose to tail", do focinho ao rabo, e deixar de só pedir carnes macias ditas "nobres". Basta ter uma panela de pressão e cozinhar mais tempo, tudo fica bom com a receita certa.

Com a dobradinha combino um tinto leve, pois mata a sede sem concorrer com o prato. Como disse em uma coluna recente, vinho de verão não existe, o que temos são vinhos menos alcoólicos e que bebemos frios. Tintos assim são muito bons, passam pela geladeira e ficam gostosos na sua facilidade de tomar, de preferência em um copo simples, de bistrô mesmo.

Recomendo acima quatro tintos para o calor, que podem ser bebidos em qualquer época.

 
Divulgação

Vinhos da semana

(1) Armando Bonarda Laura Catena. R$ 84,35 (Vinci).

(2) Araldica Fazzoletto Barbera. R$ 108,70 (Decanter).

(3) Viña Maipo Merlot. R$ 41 (Ravin).

(4) Cest la Vie Rouge. R$ 75 (Winebrands).

*valores de referência

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