Luiz Horta

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Luiz Horta

Passo a vida procurando, em cada cidade, meu restaurante ideal

Cozido feito aos domingos no Pasv, na região central de São Paulo
Cozido feito aos domingos no Pasv, na região central de São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

Passo a vida procurando, em cada cidade, meu restaurante. Aquele lugar em que a comida é sempre igual, onde posso ir qualquer dia e não sairei decepcionado. 

Que estava lá muito antes de conhecê-lo e continuará por décadas depois que eu parar de frequentá-lo. 

Como uma metáfora para o mundo, a gente chega e ele já está em andamento por milhares de anos, partiremos e vai continuar igual, com suas guerras, amores, desentendimentos e alegrias. Tem amigos que se angustiam com essa ideia, eu não, qual o problema de ver a linha do tempo das coisas?

O ambiente dos meus restaurantes costuma ser meio acabrunhante, mistura de escritório de contabilidade na iluminação com um quadro de Edward Hopper na desolação, aquelas paisagens urbanas de solidão. É o descaso pela decoração, ou melhor, a decoração por casualidade, equilíbrios estéticos alcançados no tempo.

Tenho alguns espalhados pelo mundo, nas cidades que conheço (antes que venha a pergunta, entrego três nomes: El Cuartito, em Buenos Aires; Le Bougainville, em Paris, e o Nicos, na Cidade do México). Restaurantes que resolvem o dilema de onde ir. Aquela discussão mental entre o delivery de pizza e a nova hamburgueria. São grandes acordos entre as partes, não se decidem por onde ir, ah, tem aquele velho lugar de sempre.

Há algumas regras para esse restaurante, ele precisa estar aberto quando a fome chega, não pode ser complicado, exigir reserva, é o imediato conforto da regularidade.

O que me espantou no Pasv foi ter levado três décadas para achá-lo. 

Não vou falar de ambientes, esta coluna é sobre comida e vinho, mas tenho uma queda por lugares que acumulam camadas, um pôster antigo ao lado de um pregado ontem, as variadas placas que são história, tem todas as décadas lá. E a famosa carta de vinho com os clássicos que você nem pensava que ainda existiam (Forestier, Liebfraumilch).

Nada disso tem importância, cheguei num domingo no meio da tarde, chovendo e fazendo frio. O lugar estava vazio e pensei ter perdido o meu tempo, pois ia sair sem comer. A senhora que me atendeu nem relutou, mostrou a mesa, trouxe o cardápio, colocou a toalha de papel simpática com um bom apetite estampado.

Neste momento, descobri que já estava gostando muito, que tinha chegado onde queria. Aos poucos foi se enchendo, ficou convivial e o serviço cordial só aumentou o calor. Mas a comida foi o verdadeiro interesse, a especialidade do dia era o puchero, o cozido espanhol, com carnes, frango, grão-de-bico. A porção é grande, o gosto é ótimo. Nem precisa consultar o cardápio, nos restaurantes da categoria dos clássicos tem pudim, bom pudim. 

 

Vinhos da semana 

Gutiflower. R$ 119,90; Viño Naranja. R$ 109,90; Malbec R$ 99,90; Pipeño 1 litro R$ 99,90; (vendidos pela Sonoma)
Gutiflower. R$ 119,90; Viño Naranja. R$ 109,90; Malbec R$ 99,90; Pipeño 1 litro R$ 99,90; (vendidos pela Sonoma) - Divulgação
 

Vinhos do cacique

Não é sensacional esse nome: Cacique Maravilla?

 Parece coisa de garrafada do Nordeste, aquelas misturas que servem para tudo, de alergia até insônia. Mas os vinhos do cacique, na verdade o antepassado espanhol de Manuel Moraga Gutiérrez, que plantou as primeiras uvas no local (cerca de 300 anos atrás, um dos mais antigos vinhedos de uva país encontrados no Chile) e que era dito “cacique maravilhoso” pelos locais, por seu entusiasmo.

Manuel não fica atrás, é um chileno sorridente que faz vinhos amplos e generosos como ele. Já recomendei algumas vezes o Pipeño na coluna, o garrafão chileno, feito de uva país, e para beber aos grandes goles (vendido no litro e não na garrafa tradicional de 750 ml). Melhor tinto gelado que acompanha tudo, pizza, churrasco, feijoada.

 Agora provei quatro vinhos, todos no mesmo estilo, alegria engarrafada, vinhos para beber sem pensar. Gostei muito do Gutiflower, um corte de moscatel e torrontel, que é um vinho completamente singular, aromático, que ficou ótimo com comida coreana e chinesa. E o laranja (em que as cascas fermentam com o mosto, agregando pigmentos e taninos) feito de moscatel de Alexandria, encorpado e profundo, bebi com comida mexicana, e foi ideal para as pimentas tão perfumadas e saborosas como as minhas prediletas, chipotles defumadas.  

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