Luiz Horta

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Luiz Horta

A quatro saibashis

Duo de ostras de Telma Shiraishi e Saiko Izawa, do Aizomê - Divulgação

Sempre defendi a ideia de que a cozinha japonesa, diferente da nossa matriz europeia, não tem autoria, não depende da inventividade permanente (o “make it new” do ocidente), mas do aperfeiçoamento de modelos.

Complicou? Vou tentar falar normalmente. É uma cozinha dedicada a melhorar copiando o que um mestre fez de modo absoluto, usando o melhor produto, sem necessidade de inventar. Pegando a arte como paralelo fica mais fácil, a cozinha japonesa pinta um mesmo quadro, repetidas vezes, na busca da sua essencia, em lugar de fazer tudo diferente sempre. O “artista” cozinheiro quer o melhor de uma coisa que já existe, enquanto na nossa gastronomia o valor está na surpresa permanente. Por isso hesito em dizer que há gastronomia japonesa.

Mas é uma tese simplificadora, também há criação na comida do Japão. Ela é menos dramática, ninguém vai fazer uma esfera de coelho como fez Ferran Adrià. Está nas sutilezas, a autoria existe no atrevimento dos pequenos gestos: uma montagem do prato com outra harmonia, uma pincelada de shoyu, um perfume de yuzu ralado na hora sobre o caldo.

No jantar feito a quatro mãos por Telma Shiraishi e Saiko Izawa, no Aizomê, estas invenções ficaram mais evidentes.

Telma já é, faz um tempo, a mais hábil chef japonesa da cidade. Saiko é conhecida pelas sobremesas da Casa do Porco Bar (ah, aquela que ela chamou “Clorofila”, um acontecimento vegetal em que o doce pouco aparece, uma das melhores criações nas cartas de São Paulo sob o nome de sobremesa). Convidada por Telma, Saiko mostrou seu lado salgado. O menu em nove pratos era dividido entre as duas.

Vou usar como exemplo uma ostra. Fresca e boa, basta abri-la e comê-la. Telma coloca um delicado molho cítrico e ovas de peixe-voador, e Saiko, “leche de tigre” (o caldo do ceviche peruano) com caju fresco e castanhas de caju torradas. Percebeu?

Eis duas receitas completamente diferentes, ostras modificadas pelo talento das cozinheiras, sem perder o gosto original, respeitando sua simplicidade oceânica.

Entre tais duetos, havia solos. Saiko brilhou com um camarão empanado na folha de shisô. Telma na bule de porcelana que não trazia chá, mas um caldo saboroso para beber, e tirada a tampa, cogumelos e frutos do mar cozidos lá dentro. A epifania foi o wagyu com ouriço e wasabi, encontro da carne bovina com o intenso iodado do uni, mistura de mar e montanha fascinante.

Nada disso é o que se encontra na comida japonesa convencional, e assim mesmo, tudo é perfeitamente japonês na sua discrição criativa. Uma aula, das muitas que o oriente não para de me dar. É fácil entender por que os franceses são entusiasmados por chefs japoneses (o crítico François Simon tem um livro sobre o assunto, “Cozinha Francesa, Chefs japoneses”).

Esta é uma coluna atípica, pois o encontro das duas durou uma semana, a passada, e não há mais. Embora sempre se possa ir ao Aizomê, não preciso desculpa para provar a degustação de lá e ter uma aula sobre wasabi fresco e o cítrico favorito dos japoneses (agora, milagrosamente, produzido no Brasil, o yuzu). Espero que elas se reúnam mais para criar.

AIZOMÊ
ONDE: al. Fernão Cardim, 39, Jardim Paulista, tel. 3251-5157
QUANDO: de seg. a sex., das 12h às 14h30 e das 18h30 às 23h; sáb., das 18h30 às 23h

 

Saquê e vinhos

A escolha deveria ser beber saquê, e foi o que fiz. Eram três selecionados por Alexandre Iida --que todo mundo conhece como “Adegão”, apelido que pegou no tempo que tinha a pioneira Adega do Sake, na rua Galvão Bueno-- e Sergio Mizoguchi.

O Manotsuru Junmai Ginjo Genshu mostrou este mistério dos saquês, adaptar-se ao que se está comendo. Ficava doce ou ácido, quando necessário. Como eles, a uva riesling, principalmente na Alemanha, consegue o mesmo efeito.

A carta oferecia igualmente vinhos, escolhidos pelas sommelières itinerantes Daniela Bravin e Cassia Campos.

O Dr. L, um riesling seco de Ernie Loosen, muito bem pensado para a comida, funcionou como um saquê. Riesling tem a mesma capacidade camaleônica da humildade, adapta-se ao cardápio, e não fala alto na mesa, acompanha.

A opção do grego Tetramythos, de uva roditis, era boa também, capaz de olhar com alegria os desafios de raiz forte, sal do shoyu e a acidez dos vinagres. 

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