Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé
Descrição de chapéu

Tortura de gênero

É isso que estamos a fazer com as crianças hoje: dizer que elas não têm sexo

A lista de torturas praticadas com as crianças ao longo dos séculos é longa. É evidente a vocação que temos para torturá-las, principalmente nas escolas e nas famílias.

Durante muito tempo as torturamos com o inferno, o Diabo. Ajoelhar no milho, ficar de frente para a parede, escrever mil vezes "sou um menino desobediente". Bullying racial, sexual, comportamental, muitas vezes praticado pelos próprios professores, também sempre fizeram parte dessa longa lista.

E as torturas científicas? A negação do estudo às meninas sob a "teoria científica" de que elas não poderiam se esforçar muito mentalmente porque sua energia era toda gasta no aparelho reprodutivo, me parece, é um exemplo máximo de tortura cientificamente fundamentada.

A maldição do sexo também serviu e serve para muitas torturas. E aí chegamos a um novo tipo de tortura científica. Voltaremos a isso logo, antes um pequeno reparo.

É uma tristeza perceber que as escolas sempre tiveram a tendência de abraçar torturas supostamente científicas. E nada mudou nos últimos tempos.

O que mudou foi o marketing da pedagogia com seu tom humanista, mas ainda assim simpático a muitas modinhas supostamente fundamentadas. Vale dizer que os pais, como sempre, não ficam de fora desse gosto por torturar crianças, principalmente a partir de modas científicas.

Voltemos à maldição do sexo. Talvez nossa época seja vista como a pior em termos de ódio, repressão e negação do sexo que a humanidade já viveu.

Historiadores no futuro chegarão à conclusão de que o período vitoriano foi uma "balada" em comparação aos novos modos de repressão ao sexo que inventamos a partir de supostas teorias que deveriam libertá-lo.

Ilustração da coluna de Luiz Felipe Pondé
Tortura de gênero - Folhapress

Ao fazer do sexo política, conseguimos o que séculos de cristianismo repressivo não conseguiram: dizer que ele não existe. É isso que estamos a fazer com as crianças: dizer que elas não têm sexo.

A nova teoria "científica" a torturar as crianças, coitadas, é a tal da "neutralidade de gênero". Teoria tão científica quanto a filosofia de vida dos astros de Hollywood. Acho que deveriam chamá-la de "teoria Jolie".

Veja bem (antes que inteligentinhos apareçam gritando): claro que as escolas e as famílias devem educar crianças a respeitar orientações sexuais diversas e defender que todos são iguais perante a lei, mas extinguir banheiros de meninos e meninas nas escolas é pura tara sexual reversa.

Nesse sentido, a pedagogia adere ao escândalo da "fluidez de gênero", modinha a serviço da produção das psicopatologias mais variadas no futuro e de formas distintas de sofrimento para crianças e adolescentes.

Não há muito o que esperar dos pais. Da classe média para cima, todo mundo quer ser "cool" e avançadinho.

Pais obrigam filhos a vestir rosa e filhas, azul, para quebrar a opressão de gênero. Dar bonecas para as meninas é opressão de gênero.

Canais de TV fazem reportagens dizendo que fabricantes de brinquedos sem gênero estão ganhando mais dinheiro do que todo mundo. Os executivos dessas empresas falam como é lindo o trabalho de "conscientização" que estão fazendo.

Não há definitivamente nenhuma justificativa científica para essa parafernália que acomete a sociedade "cool" em que vivemos. Alguém começou a pregar que a neutralidade de gênero é legal, outros começaram a repetir, convidaram "especialistas" para justificar a suposta cientificidade disso e pronto.

Alguém pode perguntar: "Mas é possível que seja feito assim, de forma tão inconsistente?". A resposta é "sim, é possível".

Pais e avós se perguntam: "Por que tantos adolescentes estão perdidos sexualmente?". Psicólogas relatam o número alto de pacientes jovens em crise de identidade sexual.

Às vezes, o simples fato de você ter um filho ou filha que sofre por não ser heterossexual (e devemos, sim, fazer tudo o que for possível para que esse sofrimento cesse, porque ninguém é "obrigado" a ser heterossexual) faz com que você abrace a causa da neutralidade de gênero.

Não se trata de proibir que se use a palavra "gênero" nas escolas. O conceito de gênero descreve a dimensão social das identidades sexuais. E isso é um fato.

Mas daí a torturar as crianças com um "intervencionismo de gênero" nesse processo é absurdo. Ninguém, absolutamente ninguém, tem a mínima ideia de como se "constrói" uma identidade sexual.

Deixe, pelo menos, as crianças em paz. Deixe, pelo menos, seu filho em paz. De onde virá esse gozo com a tortura de gênero?

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