Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

As militantes não acham que Golda Meir merece reconhecimento

Primeira-ministra israelense pegou os egípcios e sírios pelos cabelos, morrendo de linfoma

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A militância política é a continuação do fanatismo religioso por outros meios. Uma pergunta interessante a se fazer ao feminismo atual é a razão que figuras como Golda Meir nunca foi uma das suas heroínas.

Tolinha a pergunta, não? Como toda militância política, o feminismo é uma facção tomada por fanatismo ideológico purista. Direita ou esquerda, todo militante é um inquisidor.

A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual com caneta nanquim fina, em textura cheia de traços, rachuras e rabiscos.  A imagem horizontal, proporção 17,5cm x 9,5cm, apresenta um retrato de Golda Meir, baseado em referência fotográfica, do ombro pra cima, com semblante sereno, discreto sorriso e mãos unidas, com os dedos entrelaçados em posição de prece, olhando para o observador.
Ricardo Cammarota

O filme de Guy Nattiv, "Golda", com Helen Mirren no papel da primeira-ministra de Israel Golda Meir, é uma belíssima peça histórica. Ela foi primeira-ministra de 1969 a 1974. Atravessou o ataque de Munique que dizimou a delegação israelense em 1972 e a famosa Guerra do Yom Kippur em 1973.

Críticos poderão dizer que o filme é uma hagiografia política da primeira-ministra. Para quem não sabe, hagiografia é um estilo literário muito antigo em que se escreve uma biografia com intenção edificante do personagem objeto, sem sustentação histórica.

O termo é, prioritariamente, identificado com biografias de santos nos primeiros séculos de vida do cristianismo.

Não é o caso. Para quem conhece um pouco a Guerra do Yom Kippur, o filme busca esclarecer —com sucesso— o papel dela na guerra. Egípcios e sírios, armados pelos soviéticos, tentaram riscar Israel do mapa. Essa guerra pôs, definitivamente, Israel no mapa geopolítico americano, como um aliado inconteste.

O filme é consistente em seu propósito maior, de descrever os acontecimentos da Guerra do Yom Kippur do ponto de vista de uma primeira-ministra com linfoma que passava pela ala dos cadáveres a fim de fazer seu tratamento oncológico de forma discreta.

Essa guerra, que acompanhei dia a dia pelo rádio e pela televisão —não havia redes sociais então, melhor esclarecer para quem tem lacunas em seu repertório histórico—, foi um dos principais motivos que me fez decidir ir morar em Israel poucos anos depois, para ver de perto como era um país que vivia sob ameaça diária dos seus inimigos em volta.

Se Israel sempre foi uma nação heroica, que inclusive foi fundada, em grande parte, por ideais socialistas —outro motivo que me levou a querer viver lá—, por que nunca mereceu as graças da esquerda?

Porque a esquerda, em sua história, acabou por reencontrar o velho antissemitismo da direita existente na Europa.

Se Stálin acabou por ajudar, de alguma forma, os "judeus palestinos", como a mídia se referia aos sionistas na época, na sua luta pela independência, nem por isso deixou de legar a esquerda sua alma antissemita, que hoje se esconde sob a rubrica do antissionismo.

Golda Meir foi uma "dama de ferro". O filme não é uma hagiografia feminista como a esquerda adora fazer dos seus ícones. Mais fácil canonizar cantoras, jogadoras de futebol, artistas das redes sociais e afins do que a mulher que pegou o Egito e a Síria pelos cabelos, morrendo de linfoma.

Além disso, estabeleceu as bases do acordo de Camp David, em 1978, entre Sadat, presidente do Egito, e Begin, primeiro-ministro de Israel. Golda Meir não foi ‘Nutella’. Aqui voltamos à questão tola do início.

Por qual razão uma mulher corajosa e desse histórico de líder não merece nenhuma atenção especial do feminismo?

Simples: sendo uma facção, em parte, dada a fanatismos, como quase toda a esquerda —um traço que cabe a direita—, as militantes não acham que Golda merece reconhecimento.

Não basta ser mulher —crítica esta feita mesmo a ex-presidente Dilma Roussef por feministas petistas anos atrás—, é imperativo que a candidata ajoelhe para a ortodoxia que as mais radicais prescrevem.

Golda Meir venceu uma guerra quase perdida, mas não deixou que os inimigos, daquele momento, destruíssem Israel como, muitas vezes, deseja grande parte da esquerda. Golda Meir pavimentou o caminho para o primeiro acordo de paz com um país árabe —o Egito—, mas nunca foi preocupada em criticar a normatividade patriarcal. Diante da guerra, sua prioridade deveria ser se recusar a fazer bolos?

Não basta ser uma das maiores líderes que o mundo conheceu, é preciso agradar as inquisidoras de plantão.

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