Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé
Descrição de chapéu terrorismo

O futuro do marketing está em ações agressivas, imorais e sangrentas

Com as ações do Hamas, o terrorismo evoluiu e atingiu seu clímax em 2023 e tornou-se pura ciência da comunicação

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Nada é menos criativo entre as atividades humanas neste ridículo século 21 do que a infeliz disciplina do marketing. Suas invenções mais recentes, como gerente de felicidade de uma empresa ou o conceito de marca pessoal, atestam a completa incapacidade criativa dessas ciências sociais aplicadas que são o marketing —não se engane, a ideia de um gerente de felicidade numa empresa é puro marketing de gestão.

Mas não quero falar dessas fake news no ambiente do trabalho neste século 21 sem futuro. Quero falar de algo menos inovador, mas que continua circulando pelo mundo corporativo, que é o "conceito de liderança". As aspas se devem ao fato que a ideia de liderança não merece toda essa credencial da categoria de conceito. Imagine Kant ou Hegel se dedicando ao "conceito de liderança corporativa".

Título: A infeliz disciplina do marketing  A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica digital, vetorizada, nas cores vermelho, verde e preto chapadas, sobre fundo branco.  Na horizontal, proporção 17,5cm x 9,5cm, a imagem apresenta uma composição composta de diversos ícones gráficos: celular, gráfico crescente, granada, bomba, tanque de guerra, explosão, olhos, cesta de lixo, torpedos, bomba, avião caça, saco de dinheiro, cesta de lixo, revolver, termômetro, alto falante, ícones de proteção, de rede internet, de configuração e símbolo de proibido.
Ricardo Cammarota

E, na sequência, quero dizer de onde virá a verdadeira transfusão de sangue que dará a infeliz disciplina do marketing novos horizontes de criação no que se refere a liderança.

Tenho poucos amigos, mas eles sempre me fornecem elementos para enxergar o mundo no seu pior. Um deles, que atende pelo carinhoso codinome de "Canalha" —claro, descendente direto do canalha honesto do Nelson, hoje em extinção porque todos os canalhas fazem MBA em ESG— me chamou a atenção numa conversa recente para o fato que o personagem bíblico Moisés deveria ser o paradigma do líder quando as pessoas se colocam a questão do que seria a liderança no mundo corporativo —ou fora dele. Vejamos a hipótese de mais perto, agora, com a atenção que um conceito merece.

Antes de tudo, um reparo. Liderança é matéria política. Portanto, é poder, e, por consequência, é violência, apesar das mentiras de hoje em dia. O marketing de gestão fez da liderança uma conversa fiada corporativa, inclusive, atrapalhando a própria liderança no mundo corporativo.

Segundo essa infeliz disciplina, liderança é algo que deve desaguar em abraços corporativos e happy hours —com a lembrança de que a antiga função desses happy hours, a saber, pegar a colega gostosa da empresa, está proibido pelo compliance que odeia o Eros.

A liderança é uma função mais próxima de um trágico que caminha sozinho pelo deserto, mesmo quando acompanhado. Já que falamos em deserto, vamos voltar a Moisés, o homem que liderou por 40 anos, no deserto do Sinai, um povo que acabara de sair de uma escravidão no Egito, segundo a Bíblia, por muito mais do que 40 anos. Como era a relação desse líder com seu "time"?

Esse povo só deu dor de cabeça para o homem que o libertou da escravidão no Egito. Ingratos, alguns chegaram mesmo a dizer que a vida na escravidão era melhor do que aquela liberdade toda.

Evidente que no caso da narrativa bíblica, há um Deus em jogo e Moisés é um mero intermediário na realização da vontade desse Deus. Enquanto Moisés se reunia com Deus no monte Sinai para pegar os dez mandamentos, que deveriam pautar a vida desse povo não mais escravo, alguns ao pé do monte inauguram um culto a um bezerro de ouro, o que leva Deus a ter que puni-los. Fruto da impaciência, imediatez, pressa, preguiça, parte do povo está sempre pronto a trair Moisés e seu Deus.

Foi da mesma região geográfica, a terra prometida, que veio a grande disrupção na infeliz disciplina do marketing neste último ano. O grupo terrorista Hamas fez uma ação de marketing revolucionária dia 7 de outubro de 2023 que deu inúmeros frutos para seus criativos. Ao chacinar, estuprar, humilhar pessoas de diferentes idades e sexos, o Hamas acertou em cheio.

Dias depois, Israel, tomado pela fúria da agressão sofrida, realizou exatamente o que os marketeiros terroristas queriam: fulminaram Gaza e grande parte da sua população tentando resgatar reféns israelenses e matar terroristas. Com cada palestino morto, criança ou adulto, o Hamas vibrou e comprovou que o futuro do marketing está em ações agressivas, imorais e sangrentas. Vem por aí mais um ano novo que promete. O terrorismo evoluiu e atingiu seu clímax em 2023: tornou-se pura ciência da comunicação. Hamas, um case de sucesso.

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