Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé
Descrição de chapéu Rússia

Meninas de cabelo azul de 17 anos não representam os russos, mas Putin, sim

Não leve em conta o que diz a imprensa implicada com a ideia de que a população e seu presidente são monstros

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Você não sabe o que é "estatística moral"? Proponho que você leia "La Défaite de L’Occident" (A Derrota do Ocidente) do antropólogo, demógrafo e historiador francês Emmanuel Todd, lançado neste ano de 2024, pela Gallimard. Alguns títulos dele estão disponíveis em português, este provavelmente estará em breve, espero.

Não perca tempo com o vício máximo do público contemporâneo querendo saber se o autor é de direita ou esquerda para xingá-lo segundo a vontade do freguês.

A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual com tinta nanquim e pincél sobre papel branco, posteriormente, foi escaneada e colonizada digitalmente. As formas estão desenhadas de forma estilizada, com pinceladas formando rachuras e texturas.  Na horizontal, proporção 17,5cm x 9,5cm, apresenta do lado esquerdo, quatro personagens, encapuzados em cores diferentes, os olhos e bocas aparentes através de buracos dos capuzes, as expressões são de ira. À direita, maior, do ombro pra cima, uma personagem estilizada de uma boneca russa, brinquedo típico artesanal.
Ilustração para a coluna de Luiz Felipe Pondé de 24 de março de 2024 - Ricardo Cammarota

"Estatística moral" era um termo comum no século 19 para se referir a estatísticas de morte por alcoolismo, suicídio, homicídio e similares em uma determinada sociedade. Como tudo que se refere a moral, e a vícios e virtudes, o termo saiu de moda no tempo regressivo em que vivemos.

Putin ganhou a eleição de novo e com folga. Evidente que "observadores e especialistas ocidentais" disseram que as eleições na Rússia são favas contadas. Ninguém sabe ao certo como se contam essas favas, mas as "certezas" acerca da Rússia são algumas das maiores falácias praticadas pela inteligência pública do lado de cá.

Proporia um procedimento na sua versão hiperbólica: não leve em conta nada que se diga acerca da Rússia se vier da imprensa implicada com a ideia de que os russos e Putin são monstros que bebem sangue de crianças no café da manhã.

O marco teórico da maioria dos especialistas ocidentais acerca da Rússia é o que uma menina de cabelo azul de 17 anos pensa sobre Putin. Se ela invadir igrejas e cantar coisas da banda Pussy Riot, demonstrando seu feminismo infantil, então, ela é o máximo da consciência política russa.

Mas voltemos à estatística moral desde a subida ao poder de Putin. Todd mostra os números em queda sustentada de mortes por alcoolismo, suicídio, homicídio, mortalidade infantil desde o inicio da era Putin —desde o ano 2000 mais ou menos. Tais dados revelam uma Rússia em processo de melhoria social significativa e de estabilidade social.

A partir da invasão da Crimeia em 2014, quando o Ocidente começou sua ladainha de que Putin ia se arrebentar internamente, a Rússia se preparou para boicotes econômicos, até chegar 2022 com a guerra da Ucrânia, quando expulsaram a Rússia do sistema financeiro internacional.

Nova onda de previsões do apocalipse russo veio em escala. Não se trata de torcer pelo Putin; Lula e Bolsonaro, e Índia e China já o fazem. Trata-se de apontar a anomia da inteligência ocidental, que, como um aluno de jornalismo do centro acadêmico pensa, apenas repete máximas horrorizadas acerca da Rússia sem enxergar um palmo adiante do nariz.

A Rússia criou um sistema de cartão de crédito e operações financeiras completamente independente do resto do mundo, que, ao lado da imensa potência que o país é em produção de bens agrícolas, fósseis e industriais para manutenção da vida cotidiana da sua população, fez com que a Rússia tenha se recuperado do que se supunha ser seu fim porque não obedeceu à Otan e à Comunidade Europeia.

A Rússia é mais rica do que pensa nossa vã geopolítica ocidental.

A tensão e distanciamento do Ocidente —incluindo aí o período soviético— são, entre os russos, uma tradição que remonta a séculos, tocando mesmo a recusa do catolicismo romano em favor da ortodoxia grega. O século 19 é marcado por essa recusa de tornar-se um país "europeu". O desprezo pelos modos de vida "europeus" deita raízes profundas na mentalidade russa atávica.

Cada vez que Putin demonstra esse desprezo pelo ocidente, a imensa maioria dos russos se identifica com ele, ao contrário do que as meninas do Pussy Riot representam.

Um dos detalhes que Todd aponta no livro é que, ao contrário do que se diz no Ocidente, a população russa está muito mais próxima do seu governo —isto é, sente-se mais representada e apoia a guerra—, do que grande parte do povo europeu e americano —não uso a expressão ridícula estadunidense. Estes vivem sob uma espécie de oligarquia liberal travestida de democracia, sustentada por uma elite composta de bandos de riquinhos egressos de universidades de esquerda.

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