Luiz Weber

Secretário de Redação da Sucursal de Brasília, especialista em direito constitucional e mestre em ciência política.

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O carnaval de Sergio Moro

Inspirado no italiano Giovanni Falcone, juiz da Lava Jato se muda para Brasília para dar combate ao sistema por dentro

O juiz Sergio Moro, que será ministro da Justiça no governo Bolsonaro
O juiz Sergio Moro, que será ministro da Justiça no governo Bolsonaro - Adriano Machado/Reuters

Sergio Moro tem um método. E um livro-texto. Melhor: uma biografia-texto. Ao despedir-se dos colegas de magistratura, o novo integrante do governo Bolsonaro disse que seguiu o exemplo de Giovanni Falcone, juiz italiano que nos anos 80 e 90 combateu a máfia.

Em 1984, Falcone desembarcou em Brasília (fato ignorado pelo noticiário da época) para tomar o primeiro testemunho de Tommaso Buscetta, um dos cardeais da Cosa Nostra, a máfia italiana.

Buscetta (a quem o Jornal Nacional de então se referia no ar como Bus-que-ta, para evitar a cacofonia (?) da pronúncia italiana: bu-che-ta) era um "pentito", um colaborador da Justiça.

Na luta contra a máfia, Falcone desenvolveu uma metodologia que foi replicada à risca em Curitiba. A trajetória de Falcone esclarece ainda mais o movimento de Moro, de deixar a magistratura, após 22 anos como juiz de primeira instância, para virar um burocrata em Brasília.

À frente da operação Maxiprocesso, o juiz italiano estabeleceu as primeiras coordenadas para o combate ao crime organizado —em escalas e enraizamento na sociedade só conhecidos no mundo ocidental livre na Itália de então e no Brasil de hoje.

Em seu livro "Coisas da Cosa Nostra", uma coletânea de 20 entrevistas, Falcone elenca ações e estratégias que levaram mais de 200 mafiosos para a cadeia. Há grande semelhança com o método de Curitiba.

Tudo começou com um intérprete, uma pedra roseta dos esquemas, alguém que traduziu os códigos, as senhas, o tamanho e a extensão do negócio ilícito. Na Itália foi Buschetta; no Brasil, primeiro o doleiro Alberto Youssef, depois outros delatores acrescentaram palavras ao dicionário da corrupção, como Italiano, Zeca Pagodinho, Botafogo...

“Antes dele [Buschetta], tínhamos apenas uma visão superficial do fenômeno mafioso. A parti dele, começamos a olhar por dentro. Deu-nos uma chave de leitura essencial, uma linguagem, um código. Foi para gente um professor de língua” (“Prima di lui, non avevo – non avevamo – che un’idea superficiale del fenomeno mafioso. Con lui abbiamo cominciato a guardarvi dentro. Ci ha dato una chiave di lettura essenziale, un linguaggio, un codice. È stato per noi come un professore di lingue”).

No livro, Falcone lembra que outros delatores, do ponto de vista de crimes revelados, tiveram papel até maior, mas só aquele delator original havia ensinado um método. “Senza un metodo non si capisce niente” (sem um método não se compreende nada).

Essencial na Maxiprocesso foi o aprendizado de uma tecnologia de apuração e a montagem de forças-tarefa. Para Falcone, as investigações devem ser abrangentes, coletando a maior quantidade de provas possível para depois, diante do quebra-cabeça, se montar as estratégias de combate ao crime organizado. Moro seguiu o script. As inúmeras fases da Lava Jato, as perícias, as escutas, as quebras de sigilo estão aí, peças que montaram várias cenas, compondo um mural da corrupção.

Por que Falcone deixou sua Vara, em Palermo, na Sicília, para um posto secundário em Roma, no Ministério da Justiça? Como justificativa, alegou que a Lava Jato italiana havia se fragmentado, que se tornara num símbolo de uma batalha desorganizada, que, de Palermo, não a faria avançar. Ocorrera uma dispersão de processos, como aqui, com ações em andamento em São Paulo, no Rio, em Brasília e Curitiba.

Pior, na suprema corte ela era desmontada. Em Roma, Falcone criou um sistema de coordenação central das inúmeras investigações em andamento no país contra o crime organizado, montou forças-tarefas transversais, com ênfase na análise de dados financeiros (não à toa Moro quis o COAF para si, órgão da Fazenda que recebe em tempo real comunicações de bancos, imobiliárias, bolsa de valores, cartórios de operações financeiras suspeitas), e desencadeou ações legais para fazer valer as condenações impostas por sua Lava Jato.

Foi em Roma que ele enfrentou, com melhores armas, um juiz da Suprema Corte que se notabilizara por libertar dezenas de condenados em primeira instância no âmbito da Maxi Trial.

Apelidado de "giudice ammazzasentenze" (juiz mata sentença), o juiz Carnevale acabou sitiado e afastado, após iniciativas do Ministério da Justiça. O Brasil é o país do carnaval. E Brasília é a terra do grupo carnavalesco Pacotão. Moro não parece um folião.

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