Lulie Macedo

Foi editora na Folha por 16 anos e é sócia da consultoria de cultura urbana Rolê

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Lulie Macedo

O que eu estou fazendo aqui?

Sim, estou aqui porque sou mulher, mas também porque a gente está mudando

São Paulo

Juro que tentei me concentrar na bola e evitar a "questão de gênero", mas, você sabe, mulher adora mimimi --e não entende nada de futebol.

A ideia para este texto era discorrer graciosamente sobre os dois primeiros dias de Copa, escolher um assunto e aplicar o "ponto de vista feminino" (a cerimônia de abertura? Os jogadores mais gatos?) e então cagar a humilde regrinha feminina que me cabe (mas, porra, mulher falando palavrão é tão feio!).

Isabelly Morais, primeira mulher a narrar um jogo da Copa na TV brasileira
Isabelly Morais, primeira mulher a narrar um jogo da Copa na TV brasileira - Divulgação/Fox Sports

Só que a pergunta aí do título não permitiu. Martelou a semana toda. Quando é assim, melhor aceitar porque dói menos: estou aqui porque sou mulher.

A primeira reação foi de lisonjeio misturada com desconforto. O editor ao telefone: "Gostaríamos de te convidar para escrever durante a Copa." Eu: "Legal, mas por quê? Vocês vão fazer o cercadinho das mulheres? Preencher cota? Tem um tema específico ou é 'só para ter mulher'?".

Sim, estou aqui porque sou mulher. Não tenho repertório futebolístico, apesar de ser corintiana por herança genética e espectadora do Linha de Passe por masoquismo. Mas acredito que antes disso estou aqui porque a gente está mudando. Juntos. Juntes, juntxs, como quiserem.

Porque sempre foi natural escalar 20 colunistas homens para a cobertura da Copa (ou para o que for) sem ficar incomodado. Não é mais. E é importante sublinhar o desconforto --e, para os que não se incomodam, é só questão de tempo.

Sim, precisa ter mulher, e tudo bem colocar isso como meta. Precisa ter mulher, e não só aquelas que ralaram muito o cu na ostra para provar que, APESAR de serem mulheres, entendem pra caralho de futebol (salve Fernanda Gentil, Mayra Siqueira, Gabriela Moreira, Camila Mattoso, Isabelly Morais e todas vocês).

Vai ter mulher especialista, mulher leiga, mulher boleira, mulher de paraquedas (a minha cota).

Precisa ter mulher, porque sim. Porque somos mais da metade da população do país. Porque se a gente se interessa menos por futebol (61% das minas não dão a mínima, segundo o Datafolha) talvez seja porque uma mulher narrou um jogo de Copa pela primeira vez na TV brasileira na última quinta.

E o que eu vou fazer ali escrevendo sobre Copa?, perguntei a uma amiga. "Ocupar esses espaços", ela respondeu.

(E, sobre os palavrões, taí Robbie Williams pra nos mostrar que uma dose de insubordinação tem sua função e não faz mal a ninguém.)

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