Lulie Macedo

Foi editora na Folha por 16 anos e é sócia da consultoria de cultura urbana Rolê

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Lulie Macedo
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Minha primeira Copa

O futebol sempre esteve ali, ao redor

São Paulo

Invejo quem coleciona lembranças do Mundial. Vivi o suficiente até aqui para ter pelo menos 11 edições na memória, mas guardo apenas histórias de raspão. (Me incomoda voltar à primeira pessoa para falar de um tema tão coletivo, mas é a última coluna, então que seja um abraço de adeus).

Cresci no Jabaquara, zona sul de São Paulo, cercada por cinzeiros, chaveiros e xícaras do Corinthians. A imagem que tenho do meu pai não existe sem o futebol. Não sei quantas vezes o vi capotando da poltrona aos domingos, de pijama e chinelos, fumando e praguejando em frente à TV. Apesar de campeonatos de futebol serem onipresentes na infância, eu nunca soube explicar por que meu percurso foi sempre lateral nesse assunto.

Depois de quatro semanas tentando participar do clã dos que acompanham esse tema fervorosamente, uma ficha preciosa caiu. E acho que vale dividir aqui porque essa, sim, talvez seja a minha perspectiva coletiva e não somente pessoal da Copa.

Ser uma menina que cresceu no Jabaquara cercada por cinzeiros e chaveiros do Corinthians foi o que me fez passar de raspão. Porque o futebol sempre esteve ali, ao redor. Repare: AO REDOR. Simplesmente não era "comum" uma garota sentar com pais, irmãos ou primos (todos homens) para ver um jogo e xingar o juiz. Isso apenas não acontecia, ponto. E não tem coitadismo nenhum nisso, é mera constatação. Porque naquela época nem a consciência de que poderia ser diferente existia --nem da minha parte, nem da deles. Assim como na escola não me lembro de ninguém questionar porque nas aulas de educação física meninas jogavam vôlei e, meninos, futebol. Era assim o mundo, e a gente achava que estava tudo bem.

Minha primeira Copa foi esta. Não porque abriram a roda e disseram "vem aí xingar o juiz também". Não apenas porque houve este espaço a ocupar. Mas porque foi a primeira Copa que vi minha filha (outra menina crescendo com o futebol ao redor) experimentar. Assim como eu, ela tem um pai corintiano. Mas, ao contrário de mim, ela não é um satélite orbitando ao redor de um planeta que não a pertence. Ao contrário de mim, ela viu todos os jogos ao lado do pai. Perguntou o que era falta. Balançou bandeiras na janela. Descobriu o jogador "Reymar".

Não é uma questão de convite. É questão de pertencimento. Para ela foi natural, está sendo. Para mim, que vivi 11 edições, foi a primeira vez.

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