Lygia Maria

Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.

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O riso sempre brota de uma falha

Não podemos lidar com o desconforto intrínseco ao humor de forma autoritária

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Pense numa piada, caro leitor. A primeira que lhe vier à mente. Há grandes chances de que um personagem ou o contador esteja se dando mal. Isso porque rir é diferente de sorrir, e humor é diferente de alegria.

Segundo o filósofo francês Henri Bergson, o riso brota de uma falha inesperada dentro de uma sequência lógica previsível de acontecimentos.

Por isso rimos quando alguém tropeça ou quando o palhaço retira a cadeira no momento em que seu companheiro de picadeiro iria se sentar. Ou seja, rimos de um desconforto, rimos de intenções frustradas.

Ora, tal mecanismo tem em si um forte aspecto político e social. Afinal, o debate público, pelo menos em regimes democráticos, se constitui pela crítica a figuras de poder e a ideologias diversas. Se não gostamos de uma piada, somos livres para criticá-la. Podemos até nos juntar com outros descontentes e promover boicotes ao trabalho do comediante que nos deixa incomodado.

Contudo não podemos aceitar que o Estado se arvore a proibir piadas. Mas foi exatamente o que ocorreu com Léo Lins. Uma juíza determinou não apenas a retirada de seu show do YouTube como proibiu o comediante de fazer humor sobre temas ligados a minorias. Nossos juízes viraram telepatas: "Não sei que piada você fará, mas será criminosa". Em casos de calúnia, injúria e difamação contra indivíduos, esses têm todo o direito de acionar a Justiça. Mas apontar falhas em ideias, conceitos e ideologias de grupos sociais ou políticos deve ser um direito salvaguardado em qualquer democracia. Os tais grupos podem reagir, seja criticando, seja produzindo humor, como já acontece.

Alega-se que piadas geram crimes ("piadas matam"). Mas isso é deveras abstrato para servir como tipificação. Qual mulher foi assassinada por causa de piadas machistas? Onde, como morreu? O Judiciário deve lidar com fatos, sob risco de extrapolar sua função e infringir direitos.

Deixemos que, na seara do humor, a sociedade civil resolva suas falhas, até mesmo rindo delas.

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