Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária
Descrição de chapéu

Inventário das pequenas humilhações

Como estou farta das grandes, hoje quero listar aquelas que dão vontade de rir

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“Os humilhados serão exaltados”, disse Jesus. “Aham Cláudia, senta lá”, disse Xuxa.

Difícil encontrar alguém que nunca tenha sido humilhado. Seja na escola, no trabalho, no amor ou nas urnas, todo mundo tem um 7 a 1 para chamar de seu. 

Particularmente, estou farta das grandes humilhações, de abrir os jornais e sentir vontade de chorar, ou vomitar, ou vomitar chorando. Por isso, hoje quero listar as pequenas humilhações, as que dão vontade de rir —não exatamente na hora em que acontecem— e não deixam traumas ou estragos em larga escala para trás. Dentre elas, estão:

A gota de açaí na blusa branca em dia de reunião. A calça que cabia até semana passada. O pote de azeitona que não abre. A selfie que só deu sete curtidas. O meme que só eu não entendi. O post lacrador que ninguém comentou. A ironia que ninguém pescou. Os dois tracinhos azuis de quem visualizou e não respondeu.

O batom vermelho no dente. A batida que transborda dos fones de ouvido e denuncia meu péssimo gosto musical no elevador lotado. O dente lascado por uma long neck e a conta do dentista parcelada em dez vezes. A menstruação que vazou do absorvente para a calcinha, da calcinha para o vestido, do vestido para a cadeira estofada do escritório.

Sair de casa com uma roupa nova, mas esquecer de tirar a etiqueta. Fingir que não vi alguém fingindo que não me viu. Catar cavaco na calçada, justo na saída de um cursinho de pré-vestibular, e ser devorada por risadas de hienas adolescentes. Entrar em um carro aleatório achando que é o meu Uber. Discordar em silêncio do taxista. Deixar a porta do banheiro destrancada e ser surpreendida com as calças arriadas e o celular na mão.

Ler os comentários e redigir uma resposta de uma lauda que eu sei que nunca vou postar porque não vale a pena discutir com bot. Confundir os sachês de sal e açúcar: salgar o cappuccino, adoçar o caldinho de feijão. Sentar no molhado. Rebolar até o chão, no chão ficar, e precisar da ajuda de terceiros para dele sair.

Um presente que passei horas escolhendo e mesmo assim não agradou. Um pelo solitário no queixo. Um pentelho no céu da boca. Um por cento de bateria. Uma palavra que me escapa. Um espirro interrompido. Uma crônica sem final.

Ilustração
Silvis

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