Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária

A fogueira de Caprichos

Nos anos 1990, a revista era o oráculo que respondia a todas as nossas dúvidas

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Na minha pré-adolescência, o feminismo era como a Barra da Tijuca nas lembranças da minha avó: tudo mato. Eu era nova demais para conhecer a máxima de Simone de Beauvoir: "Não se nasce mulher, torna-se mulher". Mas sabia que, para me tornar uma mulher, precisava beber de alguma fonte que me ensinasse o riscado.

Nos anos 1990, a Capricho era o oráculo que respondia a todas as nossas dúvidas sobre comportamento, moda e beleza. Também se falava que a revista era como uma melhor amiga. No caso, aquela amiga que diz que você é "supercorajosa de usar esse vestido com um quadril do tamanho do seu".

Ilustração
Silvis/Folhapress

Lembro do pavor de um dia ir parar nas páginas da seção Certo ou Errado, com fotos de looks femininos julgados impiedosamente. Erradas eram as combinações de roupas justas demais, pois engordavam, ou largas demais, pois também engordavam —e pior: poderiam nos deixar masculinas, prova de que falhamos miseravelmente em nossa missão mais básica na Terra.

Seguindo à risca os conselhos da minha "best friend forever", pedi meu primeiro sutiã para minha mãe. Fui presenteada com um modelo confortável e discreto, na cor bege. Senti vontade de queimá-lo pelos motivos errados: a Capricho foi muito específica quando disse que lingerie bege era um repelente de rapazes. Por via das dúvidas, até hoje carrego um na bolsa para me proteger de eventuais ameaças.

Para não ser injusta, houve uma única vez em que me senti representada por uma matéria, que me descrevia com perturbadora perfeição. Era um artigo sobre o que os meninos mais odiavam nas garotas.

Gostaria de dizer que fiz uma imensa fogueira com minha coleção de Caprichos —como as feministas fizeram com seus sutiãs no final dos anos 1960— e que dancei em volta dela —como as bruxas do século 14. Mas desapeguei do meu oráculo cor-de-rosa sem qualquer pirotecnia. Até porque os múltiplos homicídios de Agatha Christie se apresentaram como uma leitura mais amena.

Naquela época, uma pauta sobre empoderamento na Capricho era mais distante do que a Barra da Tijuca. Hoje em dia, a Barra é logo ali, é só pegar o metrô, e o portal online da revista aborda assuntos como feminismo, representatividade e padrões de beleza, provando que sempre é possível renascer das cinzas. Fica a dica, ministra. Digo, meninas.

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