Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária
Descrição de chapéu machismo

Falso feminismo na ficção tem supostas heroínas que só agem como homens

O fato de nunca ouvirmos falar em protagonista masculino empoderado prova que não avançamos para lugar nenhum

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Descrevo, a seguir, a sinopse do filme que mais vi na minha vida profissional.

Pois bem, estou sentada diante de um produtor de audiovisual que está em busca de uma roteirista mulher. É bastante irônico que o principal motivo que tenha me levado àquela reunião não seja meu talento e minha experiência, ainda que isso tenha sido considerado porque nenhum produtor está disposto a rasgar dinheiro. O que me permitiu estar ali é a mesma condição que, há alguns anos atrás, me privaria de estar sentada naquela cadeira.

Mas não sou boba de levar nada disso para o pessoal, até porque estamos falando de um problema estrutural. E, como não sou herdeira nem tiktoker, aceito o trabalho de bom grado. Não é o ideal, mas é um começo. E como em todo começo, conforme a conversa vai evoluindo, percebo o quanto ainda precisamos evoluir.

Ilustração de um peixe pendurado em uma vara de pesca pela linha. O peixe é branco com a boca rosa e está com os olhos fechados. O fundo é azul com linhas claras representando a água.
Ilustração para a coluna de Manuela Cantuária publicada em 5 de setembro de 2022 - Silvis

Porque a demanda desse produtor é levar às telonas a história de uma protagonista feminina forte, o que basicamente é um golpe de marketing. Vende-se uma heroína empoderada, e o que se leva é uma heroína com um monte de qualidades consideradas masculinas, que justificam seu protagonismo. Como, por exemplo, sua força física e sua racionalidade extrema —até porque emoção, fala sério, é coisa de mulherzinha.

É curioso que nunca ouvimos falar em protagonista masculino forte, porque isso já estaria implícito na figura do herói. Mas essa protagonista feminina não é uma mocinha frágil como a maioria das que vimos por aí. Porque ela usa terninho, sabe manusear uma arma, dirige uma moto e não precisa da ajuda de ninguém para conseguir o que quer.

Mas a diferença mais bizarra dessa personagem para as outras mulheres é que ela não é uma vítima, ela foi uma vítima. Ou seja, basta ela ter sofrido um estupro ou ter um filho assassinado e, pimba, temos aí uma justiceira com sede de vingança. Se ela não tivesse sido alvo da violência masculina, ela não seria interessante o suficiente para ninguém assistir a uma história sobre ela.

Essa personagem pode não ser mais o par romântico cuja prioridade é amar e cuidar de um homem, mas sua maior realização ainda depende de um homem, porque agora seu único objetivo é destruir um homem. Esse homem é o começo e o fim da jornada dela. Ou seja, nem ela, nem nós, avançamos para lugar nenhum.

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