Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária
Descrição de chapéu

Será que sou burrosexual por topar date em clube de tiro bolsonarista?

Quando saio do meu labirinto mental em busca de conexão, o último órgão que gostaria de lamber é o cérebro de alguém

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Minha amiga descobre sua orientação sexual depois dos 30 e assume sua sapiossexualidade. Quando ela diz que sente apenas atração sexual por "homens que sabem", meus neurônios entram em curto. Afinal, somos todos Homo sapiens, biologicamente formulados para sentir atração pela mesma espécie.

Ela explica que o termo é mais específico do que isso. Sapiossexual é quando a pessoa só consegue se relacionar afetiva e sexualmente com parceiros que admire intelectualmente, que ofereçam a ela a possibilidade de expandir seus conhecimentos.

Ilustração de Silvis para coluna de Manuela Cantuária de 26 de setembro de 2023 - Silvis

Logo me vem à cabeça os ensaios de Sócrates e Platão sobre Eros, em que, grosso modo, o desejo erótico se manifesta de duas formas: pela busca de conexão física e emocional e pela busca do conhecimento. Me parece que minha amiga sapiossexual está matando dois coelhos com uma cajadada só, mas prefiro não me estender na erótica platônica para ela não achar que estou tentando seduzi-la.

Sigo confusa. Que inteligência é essa? Estamos falando de tipos acadêmicos, nerds, ou safos —o famoso malandro, com lábia, que na gringa seria classificado como "street smart"?

Um filme se passa diante dos meus olhos. Uma comédia romântica com todos os caras com os quais já me relacionei. Nenhum deles se enquadra na categoria macho palestrinha, já que os efeitos de um mansplaining são capazes de interromper a circulação sanguínea do meu clitóris ao ponto de gangrená-lo.

Passo a maior parte do meu dia escrevendo e tentando extrair algum sentido das ficções que inventamos o tempo inteiro —a sina de todo Homo sapiens, a única espécie que cria e crê em histórias. Mas, sendo mais específica, a sina de toda escritora. Assim como ninguém escolhe sua orientação sexual, ouso dizer que ninguém escolhe ser escritor. A vida meio que obriga.

Quando sou cuspida para fora do meu labirinto mental em busca de conexão, o último órgão que gostaria de lamber é o cérebro de alguém. Tive excelentes dates assistindo a filmes de ação como "Caçadores de Emoção", com o Patrick Swayze; em um clube de tiro que tinha uma foto do Bolsonaro pendurada na recepção; na garupa de uma moto em um tour noturno por mirantes (e pontos de desova). Será que sou burrossexual? Não sei. É mais complexo do que isso. Talvez só esteja cansada de pensar.

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