Lavava a louça ouvindo um podcast feminista. Uma introdução simples para um assunto complexo. Permitam-me começar de novo.
Entre pratos e taças de um encontro na noite anterior, ou seja, louças sujas em parte por um indivíduo do gênero masculino, escutava um podcast do gênero feminista. Foi a saída para driblar o silêncio do cara, que não havia mandado a famigerada Mensagem do Dia Seguinte™.
Quem diria que uma cena tão banal poderia ter mais camadas do que um bolo de casamento. Obcecada com o não-dito, quase deixo escapar a ironia do que estava sendo dito. O assunto do podcast girava em torno dos homens, e eu, literalmente, passando pano —enxugar a louça é inútil, mas o que faço no meu tempo livre é problema meu—, não estava em posição de julgar ninguém.
A cada fala das podcasters, um tijolinho a mais erguia um muro das lamentações no cenário desértico onde seria impossível cultivar um relacionamento amoroso com um homem heterossexual.
De um lado, mulheres criadas à base de um ideal romântico atochado goela abaixo como no preparo de foie gras. Umas caem feito patas, outras acabam com o fígado explodindo de raiva. Do outro lado, os homens, mas prefiro não me perder nesse terreno tão visitado, repetindo o discurso da irresponsabilidade afetiva feito um disco arranhado pela Adriana Calcanhotto na fossa.
Ainda que tudo isso faça sentido, a solução proposta soava absurda: block, ghosting e o descarte de parceiros como absorventes menstruais. Combater a frieza com mais frieza —o que na minha infantil interpretação seria agir como o Cisne, guerreiro do gelo, o Cavaleiro do Zodíaco que usa golpes congelantes para derrotar o inimigo.
Isso me parece levar o conceito de "luta por igualdade" ao pé da letra demais. No lindo lago do amor, não precisamos ser patas, nem Cisnes. O maior ato de rebeldia contra um sistema desumanizante é ser cada vez mais humana.
Mais uma ironia: me senti livre como um pássaro quando silenciei o podcast feminista e terminei de lavar a louça, esperando uma Mensagem do Dia Seguinte™. A consciência límpida, afinal priorizar o próprio desejo é o que chamamos de empoderamento.
E, quando chega a tal mensagem, não me agarro a ela feito uma boia, não estou me afogando. Se mergulho ou molho só a canelinha, a escolha é minha. Entre sentir ou fazer sentido, fico com a primeira opção.
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