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PL do governo ataca terras indígenas

Articulação dos povos indígenas denuncia projeto de morte e aponta desrespeito à autonomia dos povos

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No dia 30 de janeiro, durante a abertura da mostra “A Luta Yanomami”, na Fundação Cartier, em Paris, o líder Davi Kopenawa disse: “Ajude-nos a divulgar ao mundo inteiro que eles vieram para nos matar”.

A mostra, que já esteve em São Paulo, no Instituto Moreira Sales, e segue na França até maio, é a maior retrospectiva da fotógrafa Claudia Andujar e documenta a vida nos territórios da tribo em 300 obras, feitas em sua maioria durante o período em que ela esteve em Roraima, nos anos 1970. Revelam os impactos terríveis sofridos pelas populações devido à abertura de estradas e garimpos, com as doenças e a violência que dela decorreram.

Mas Kopenawa se referia ao presente. Um mês antes, ao receber em Estocolmo o Prêmio Right Livelihood, apelidado de “Nobel alternativo”, pela defesa do meio ambiente e dos povos indígenas, o líder já havia pedido à comunidade internacional ajuda para banir o garimpo de ouro na Terra Yanomami.

"O governo brasileiro está ameaçando nosso território. Estamos morrendo, caindo doentes por causa da malária, tuberculose, câncer, gripe, sarampo e doenças sexualmente transmissíveis. Nós, o povo Yanomami e Ye’kwana, pedimos sua ajuda para pressionar o governo do Brasil a abolir o garimpo de ouro em nossa terra, urgentemente", disse.

Na quinta, 6, o presidente do Brasil encaminhou ao Congresso um projeto de lei que permite mineração, construção de hidrelétricas, pecuária, turismo e agricultura – incluindo o uso de sementes geneticamente modificadas, prática estava proibida por uma lei federal de 2007, como bem apontou reportagem de Rubens Valente na edição desta sexta da Folha.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) publicou nota de repúdio ao que chama de “manifestações de ódio e racismo visceral que o governo Bolsonaro tem manifestado” contra os povos, organizações e lideranças indígenas do Brasil e que se materializou no Projeto de Lei agora enviado ao Congresso.

Segundo a nota, a lei serve para autorizar a invasão dos territórios indígenas por meio de agricultura extensiva, pecuária e demais empreendimentos predatórios, permite a pesquisa e lavra de recursos minerais, como garimpo, exploração de petróleo e gás, e geração de energia hidrelétrica.

O texto critica a “vontade de atender os interesses econômicos que impulsionaram” do governo atual, desrespeitando a legislação nacional e internacional que assegura os direitos fundamentais dos indígenas, tais como o direito de ocupação, posse e usufruto das terras e territórios, e o direito à consulta, ao consentimento livre, prévio e informado sobre quaisquer medidas administrativas e legislativas que os afetem.

“A APIB denuncia a manipulação que o Governo Bolsonaro faz do nosso direito à autonomia e repudia esse projeto de morte que, a qualquer custo, quer implantar nos territórios indígenas, com impactos irreversíveis, particularmente sobre povos indígenas isolados e de recente contato, e chama a toda a sua base e movimentos, organizações e segmentos solidários da sociedade nacional e internacional a se somarem conosco nesta batalha pela vida e o bem viver não apenas dos povos indígenas, mas de toda a humanidade e o planeta”, diz a nota.

A Rede de Juventude Indígena também se manifestou. As atividades previstas no PL são consideradas pelo grupo como afronta aos seus direitos. “Estamos sofrendo o pior ataque aos direitos, praticamente um novo processo de colonização”, diz o texto intitulado “Desenvolvimento para quem?”.

“Não queremos mais hidrelétricas, não aceitamos a mineração nos territórios indígenas que é uma prática violenta, que é vendida sob as palavras de progresso e desenvolvimento. Já temos estudos que demonstram como o meio ambiente é degradado por tais empreendimentos, sabemos que a mineração causa a contaminação dos rios, dos lençóis freáticos e contaminar a terra é contaminar o território e é contaminar os nossos corpos”, afima o artigo.

Em janeiro, reunião com mais de 600 índios no Parque Nacional do Xingu resultou em documento contra a exploração de recursos naturais e agricultura nas terras indígenas, que foi enviado ao Congresso.

O texto repudia a autorização para a liberação das áreas. “Não aceitamos garimpo, mineração, agronegócio e arrendamento de nossas terras. Não aceitamos madeireiros, pescadores ilegais e hidrelétricas e outros empreendimentos”, diz o texto.

“Não podem vender as nossas riquezas, o dinheiro não paga por elas. O nosso território é muito rico, não de dinheiro, somos ricos de diversidade e toda essa floresta depende da nossa cultura para ficar em pé. O que vale para nós é a nossa terra”, afirma a carta.

Encerro citando novamente o texto da Rede da Juventude Indígena: “O que nos vale questionar até que ponto a sociedade vai continuar aceitando esse projeto desenvolvimentista que não tem interesse algum no bem estar da sociedade, na qualidade de vida real, até que ponto estarão pagando por energia elétrica, por garimpo com sangue indígena, com o adoecimento de mulheres e crianças, com a prática genocida do Estado brasileiro”.

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