Demorou, mas a camisa da seleção voltou a ser do "povo", um símbolo de sonhos de felicidade dos brasileiros. Pode ser que dure pouco, mas viva os sonhos.
Há alguns dias começou a circular entre os golpistas que bloqueiam estrada: "parem de usar a camisa da seleção brasileira. Não queremos que ninguém pense que somos torcedores de Copa". A orientação foi trocar por camiseta camuflada ou branca.
Ninguém prestou atenção. O clima de Copa possível em cada canto do Brasil já estava criado. Foi uma mudança, gerada a partir da derrota eleitoral e reclusão pessoal do líder máximo da instrumentalização política do verde-amarelismo, Jair Bolsonaro.
Foi um longo caminho de volta de uma peça de vestuário à sua função puramente esportiva e, de alguma forma, um símbolo de união nacional.
Desde 2016 e principalmente na última campanha eleitoral, iniciada de fato no 7 de Setembro de 2021, a camisa da seleção brasileira foi apropriada de tal maneira pela direita brasileira que partes dos grupos de esquerda até passaram a repudiá-la.
Chamavam-na de "camisa da CBF", tentando associá-la à corrupção e falta de transparência.
Faz 26 anos que comprar camisa da CBF se tornou muito caro, desde que a entidade assinou com a Nike e passou a combater fortemente a pirataria.
Até os anos 80, a camisa era quase um bem público, qualquer um fabricava e todo o mundo usava. Qualquer pano amarelo virava camisa.
De 1970 a 1994, o Brasil parava na Copa. Nos anos 70 e 80, até amistosos da seleção mobilizavam muitos milhões na frente da TV, os estádios enchiam e as empresas paravam. A camisa da seleção, produzida por fábricas ou costureiras, era um dos símbolos de tudo isso.
Ninguém imaginava que o Brasil um dia viraria um país economicamente tão regulado e politicamente tão dividido.
Mas, mesmo depois disso, o poder da camisa sobreviveu e teve seus arautos, como o técnico Zagallo, que não se cansava de vestir, beijar e exaltar a "amarelinha".
Aí vieram os protestos contra a presidente Dilma Rousseff, que encheram as ruas do Brasil. Só havia amarelinhas de um lado. E a camisa foi levada de roldão no maremoto político iniciado ali.
O divórcio entre uma parte dos brasileiros e o verde-amarelo só começou a se encerrar com as alianças feitas pelo então candidato Lula no segundo turno. O vermelho começou a ser recolhido, em nome da vitória. Na festa de Lula já foi possível ver algumas camisas da seleção.
No começo deste mês, o presidente eleito começou a se manifestar, a mídia fez força, e, no clima da Copa, a chama ficou um pouco mais forte.
Para completar a despolitização da amarelinha, na hora da Copa, os bolsonaristas mais raiz decidem abandoná-la para manter a "pureza" do movimento.
A volta definitiva da camisa amarelinha ao seu lugar histórico vai depender do futuro da seleção na Copa do Qatar. O primeiro jogo começou sofrido, mas terminou muito bem. A ver os próximos.
"É gooollll"... quando finalmente Galvão Bueno pôde soltar o grito no primeiro gol de Richarlison, a emoção era a de sempre, mas a voz, não. Em vez daquele tom potente que faz parte do patrimônio emocional do futebol brasileiro, saiu uma voz trêmula, quase esganiçada.
Mas no segundo gol, a voz estava lá de volta, com a firmeza de sempre.
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