Marcelo Damato

Marcelo Damato tem 35 anos de jornalismo. Dedica-se à cobertura do poder, no futebol e fora dele

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Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022

Roupa nova da Fifa virou trapo no Qatar

Depois de 6 anos construindo uma nova imagem, Infantino mostra que dinheiro continua dando as cartas

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Desde que a Fifa foi sacudida pela operação do FBI numa convenção faustosa na Suíça, em 2015, a entidade tenta mudar sua imagem. De uma organização que só se preocupava com dinheiro e era amiga de ditadores, tentou mostrar uma face mais socialmente responsável.

O plano foi capitaneado por Gianni Infantino, um ex-árbitro suíço que, por seu trato fácil e uma posição tão discreta no espectro político no mundo do futebol, ninguém suspeitou que poderia se tornar o presidente da Fifa até que ele estivesse quase sentado na cadeira.

Infantino aplaude na tribuna de honra ao lado de um homem com vestimenta arábe
O presidente da Fifa, Gianni Infantino (à dir.), assiste ao jogo entre Argentina e Arábia Saudita no estádio Lusail - Hannah Mckay/Reuters

Para dar um selo de autenticidade ao seu projeto, quem melhor do que uma mulher negra africana, que passou grande parte da vida atuando pela ONU em países com graves problemas de fome, guerras, refugiados? A senegalesa Fatma Samoura tornou-se, aos 54 anos, a primeira mulher a tornar-se secretária-geral da Fifa. Não havia registro de algum envolvimento seu com o esporte.

Mal assumiu o cargo, Samoura mostrou seu cartão de visitas. Proibiu que jogadores britânicos usassem um broche que homenageava os soldados do país mortos em guerras. Qualificou a homenagem de política e uma afronta aos militares mortos de outros países.

Infantino foi se equilibrando, até que chegou a Copa do Mundo. Aí, ficou claro que a mudança de imagem era superficial. Era só uma roupa bonita, mas de má qualidade, que logo ficou desfiada. O que há no Qatar não é apenas uma ditadura. O país é praticamente uma propriedade privada do emir, um sistema político medieval. E muito rico.

E, assim, no lugar do discurso dos direitos humanos, entrou o do respeito aos costumes locais, muito mais restritivos do que os da Rússia, sede da Copa do Mundo quatro anos antes. O Qatar é um país com 90% da população composta por imigrantes, que têm muito menos direitos do que os locais. Sem falar das leis de caráter religioso.

Assim, a cerveja foi banida do entorno dos estádios dois dias antes da abertura (Infantino só soube da exigência na hora ou preferiu se fazer de bobo?), as braçadeiras de capitão com as cores do arco-íris foram banidas sob ameaça de punição aos capitães. A alternativa, endossada pela ONU, com a frase "No discrimination" é tão insossa que até o capitão da Arábia Saudita não teve medo de usá-la. Se o temido príncipe Mohammed Bin Salman a aceita, quem se incomodaria?

No primeiro dia de jogos sem o anfitrião, ainda houve protestos, da Inglaterra e do Irã. Mas a tendência é que eles vão sumindo, com um empurrãozinho da Fifa.

A Dinamarca marcou posição tornando seu escudo invisível. É o tipo de protesto que precisa de legenda. Efeito zero.

Infantino sabe que a base do seu poder está em conseguir dinheiro para satisfazer os dirigentes das confederações continentais e das federações nacionais.

O cartola aprendeu que precisa fazer o negócio das Copas crescer mais e mais. É por essa razão que a primeira Copa a ser organizada 100% sob sua gestão terá 48 seleções e três países-sede.

Ou seja, o dinheiro é necessário, e a ética, desejável. Quando os dois se chocam não tem muita dúvida sobre qual lado terá mais peso. E não só no futebol, obviamente.

Como dizia o histórico líder Deng Xiaoping, para ser ouvido no mundo é preciso ter dinheiro.

E a Argentina, hein? Que coisa...

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