Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Piadistas, dinossauros e pornográficos

Sem noção do que é um cargo público, populistas de direita não saem do Twitter

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O ministro anterior, Ricardo Vélez, era um desastre —como parece ter reconhecido o próprio presidente Bolsonaro— e um mestre da piada involuntária.

Tudo piorou, acho, com Abraham Weintraub. O novo titular da Educação nem sequer possui aquele ar de atraso, aquela espessura na burrice, aquele jeito carola que sugeriam em Ricardo Vélez algo como um véu de boas intenções.

Weintraub, como seu análogo no Meio Ambiente, é moderninho, ágil, agressivo. Em vez de um brontossauro, temos um velociraptor. E, em vez de um coitado, em vez de um ridículo, temos um piadista voluntário e de péssimo gosto.

Vejam-se os tuítes que postou sobre a UNE (União Nacional dos Estudantes). O ministro anunciava a criação de uma carteirinha oficial para a meia-entrada no cinema, minando uma velha fonte de renda da entidade estudantil.

Em si, a medida não é ruim. Sindicatos e associações deveriam depender apenas da adesão consciente de seus membros. 

Ilustração de André Stefanini para coluna de Marcelo Coelho de 11.set.2019.
André Stefanini/Folhapress

É diferente de receber dinheiro de quem está apenas em busca de meia-entrada no cinema.

Pois bem. Abraham Weintraub pode até achar isso, mas em circunstâncias normais seria mostra de inabilidade sair expondo esse tipo de julgamento político. O normal seria apenas lançar a nova carteirinha, esperar que a UNE protestasse e convocar uma reunião.

Um governo mais de direita poderia, em todo caso, criticar em termos gerais o esquerdismo dos dirigentes da entidade; dizer que “não representam os verdadeiros interesses dos estudantes” ou que —vamos além— “foi aparelhada por partidos de esquerda”. 

Já seria suficiente para o eleitorado conservador.

Mas quando se é moleque, e não se tem noção do que significa estar num cargo público, a coisa tende a ir mais longe.

O ministro foi ao Twitter e disse o seguinte. “Desespero na UNE! Fim da mamata! Mas, tenham compaixão. Enviem sugestões para a UNE sair dessa (comuna adora grana/vida fácil). Segue a minha: ARTESANATO.

Grupos de trabalho (experiência nova) fariam cachimbos de epóxi decorados (duendes, dragões). Mas não podem testar antes.” Segue-se o emoji: chorando de rir. 

Desconto a vírgula errada no começo do texto. O ministro da Educação andou fazendo outra coisa quando seus colegas tinham aula de português; agora é tarde.

Quanto a comunistas adorarem grana fácil, seria bom que Abraham Weintraub avisasse disso os seus antigos correligionários do mercado financeiro. Talvez estejam adquirindo hábitos esquerdistas.

Outro tuíte se segue. O ministro ficou passeando na internet (coisa de quem não trabalha tanto assim) e achou a imagem de um cachimbo de epóxi.

“Olha um modelito.” A oferta, no site Alibaba (pensei que ele preferisse o Mercado Livre), mostra um cachimbo “em forma de casal erótico”. Pelo que deu para ver, a escultura grosseira representa uma mulher enroscada perto da base do cachimbo, dando ideia de que pratica felação num jovem (heterossexual? Bissexual? Comunista?).

É isso o que Weintraub posta no Twitter, enquanto apoiadores do atual governo, como o prefeito Crivella, querem proibir o gibi que tinha um casto beijo de adolescentes, como lindamente apareceu na Folha deste sábado.

O fundamentalismo, como se sabe, tem problemas com a pornografia. Quer tanto, que vê pornografia em tudo.

Já o neoliberalismo é pornográfico sem perceber, enquanto o radicalismo de um Olavo de Carvalho é pornográfico voluntariamente.

Quanto ao machismo violento e crasso de Bolsonaro, este junta tudo, e é tão burro que prejudica até seus próprios interesses.

Bolsonaro não ganhou nada ao apoiar as gozações sobre a aparência física de Brigitte Macron.

Já o caso de Paulo Guedes, voltando ao assunto quando o melhor era tê-lo ignorado, merece breve explicação.

“É feia mesmo”, disse a uma plateia seleta. Gostaria de ter visto a imagem dos que riram no auditório.

Homens, certamente. Elite empresarial, sem dúvida. A piadinha foi feita no espírito de quem está fumando tranquilamente um charuto com os amigos do clube de tênis.

No fundo, o que une Weintraub, Guedes e muitos cafajestes internacionais como Trump é que desconhecem o sentido da função pública. Estão sempre no “privê” —a política, não por acaso, é feita a partir do Twitter, dirigindo-se apenas aos apoiadores. Críticos do “patrimonialismo” privatizam tudo; personalizam a política, como todo populista, mas na medida de seus interesses minúsculos e de sua imbecilidade sem limites.

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