Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Depois de décadas aprendendo inglês, acho que cada vez eu erro mais

O melhor, pelo menos entre os britânicos, é falar com a boca fechada e comer o máximo de sílabas

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Como tantos brasileiros, passei a vida tentando aprender inglês. E, por mais que tenha estudado, continuo empacando. 

Engana-se quem diz que alemão é mais difícil. Há coisas chatas, é claro, como não saber nunca se uma coisa vai no feminino ou no masculino. Mas as regras do alemão são sempre iguais; você logo sabe quando uma palavra é verbo, adjetivo ou substantivo.

Composição com palavras. A palavra "WHAT" aparece três vezes e "?" quatro vezes. As palavras estão escritas em vermelho e o fundo é rosa claro
André Stefanini/Folhapress

No inglês, a flexibilidade é maior —e a confusão também. 

Eis a primeira dificuldade. Pegue uma palavra fácil, como “chair”. Você lê, e sabe que é “cadeira”. Mas nem sempre.

“Chair” vira verbo, no sentido de “dirigir uma reunião”, e vira outro substantivo, quando fulano é o “chair”, o responsável por dirigir a reunião (“meeting”).

“Will he chair the meeting tomorrow?” Isso não quer dizer, é claro, que Will é uma cadeira encontrando o amanhã. Mas sempre dá para confundir. 

Como em qualquer lugar, as manchetes de jornal tiram os artigos da frase e transformam o futuro em presente. 

Aí você topa com “Donald chairs meeting”. Significa, obviamente, que Donald irá presidir (a) reunião. Mas sinto que gastei alguns neurônios a mais para entender.

Segunda dificuldade: o interminável inferno dos “phrasal verbs”, que por algum motivo não são “verbos frasais”, mas sim aqueles verbos acompanhados de preposições. 

Fiquei pensando se uma coisa não está ligada à outra. Como os verbos parecem substantivos, a língua inglesa inventa um penduricalho.

“Block”, por exemplo, pode ser “bloqueio” ou “bloquear”. É perfeitamente possível encontrar uma frase como “a árvore caída bloqueou a rua”: “the fallen tree blocked the street”. Mas, para ficar mais “verbal”, a frase também pode ser “the fallen tree blocked off the street”. Talvez tenha uma diferença; não sei. O “off” pode estar significando “completamente”; ou “bloqueou a entrada” —deixou as pessoas de fora. 

Todo mundo provavelmente vai entender se você disser “finish” (acabar), sem nenhum complemento. Mas inventou-se o “finish up”, que quer dizer mais ou menos a mesma coisa —ou não.

Eles estão acabando o almoço, “they are finishing up lunch”. Pode ser “they are finishing lunch”? Pode. Mas eu nunca vou ter certeza se estou falando certo.

Terceiro problema, para nós brasileiros, é que em inglês não se usa tanto artigo quanto aqui. A tendência seria falar “finishing the lunch”, mas é só “finishing lunch”. Talvez eles sintam falta de alguma coisa —e aí vem o “finishing up” para dar algum ritmo ou entonação na frase.

Essa questão do “ouvido” não se resolve para quem não nasceu falando inglês. Quem aprende depois de velho acaba se dando mal em outra coisa. 

Quarta dificuldade. Pegue um nome próprio qualquer, “Greenwich” ou “Wimbledon”, por exemplo. Seu instinto é pronunciar por partes: “gríin-wích”, “uíim-bel-dôn”. Mas não. Primeiro, porque em geral eles detestam o nosso “ííí”; dá mais certo falar uma espécie de “uê”. Depois, minha experiência é: quanto mais claro você falar, menos será entendido.

O melhor, pelo menos entre os britânicos, é falar com a boca fechada e comer o máximo de sílabas. “Wimbledon” fica “wûmbndn”, “Greenwich” fica “grênich” ou “grûnch”, e “Westminster” não é “uéést-mínster”, mas algo como “wzmztr”.

Quinta dificuldade. Nunca sei direito quando usar o famoso “get”. Aparentemente, serve para tudo. E também, na minha cabeça, é um penduricalho para o verbo.

“Você quer uma sacola?”, pergunta o homem no supermercado. Como você responde? “Eu tenho uma, obrigado” está certíssimo, mas é menos idiomático do que “eu já tenho uma, obrigado” ou “já estou com uma, obrigado”. Do mesmo jeito, em vez de dizer “I have one”, eles dizem “I have got one”, ou melhor, “uvgtwn”.

Com essas e outras, o medo de falar inglês vai aumentando. Você percebe a quantidade de expressões coloquiais que usa quando pensa em português. O fundo do poço. O murro em ponta de faca. O bater a cabeça. O embatucar. O branco que dá. 

Algumas dicas. O livro “Como Dizer Tudo em Inglês”, de Ron Martinez (Elsevier), me ajuda um bocado. No celular, o aplicativo da BBC tem diversas subdivisões, explicando notícias, ajudando na pronúncia ou apresentando expressões da moda. Para escrever no computador, o programa Grammarly corrige bastante coisa automaticamente. O site Ludwig acha dezenas de exemplos de como uma palavra é usada.

E sempre há a opção de ficar quieto, como faço agora.

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