Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Coelho

Sem fio, sem boi, sem petróleo

Péssimo profeta, arrisco ainda assim algumas previsões para o futuro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Se você ainda faz uma lista de resoluções de Ano-Novo, parabéns. Sem dúvida, tem uma boa opinião a seu próprio respeito; confia que, desta vez ao menos, irá manter sua palavra. Ou, melhor ainda, sabe que costuma cumprir o prometido.

No meu caso, desisti disso faz tempo. Na verdade, aos poucos fui reduzindo minhas ambições; meus propósitos de Ano-Novo se tornaram cada vez mais modestos —e mesmo assim não os segui.

Algumas vezes, por exemplo, comprei edições especiais da revista The Economist, que todo dezembro dedica um número a seus prognósticos para o ano seguinte.

Guardo ainda os “The World in 2011”, “The World in 2012”, e talvez o “The World in 2004”, O propósito era esperar 12 meses para aí conferir o acerto ou a inutilidade das previsões publicadas.

Não li no dia em que comprei, não li um ano depois, não li agora, e, se alguma previsão eu posso fazer com razoável certeza, é a de que não lerei nunca mais.

Ilustração em vermelho, branco e azul, mostra parte de uma roda, usada em sorteios, com o desenho de um carro e um drone sobre ela.
André Stefanini

A ideia de comprar esses números da revista era, principalmente, a de começar uma nova etapa na minha vida de jornalista. Sempre tive inveja daqueles profissionais da imprensa (não são tantos assim) que realmente sabem tudo.

Acabei desanimando de ser bem informado. Mas ainda tenho muito interesse por previsões erradas e sinto que jornais e revistas poderiam ser mais incisivos nesse aspecto. Quem errou? Quem acertou?

O Financial Times joga limpo nessa área. Todo ano pede a especialistas que respondam a perguntas objetivas sobre o curto prazo. De 20 previsões específicas, acertou 16 e falhou 4. Entre estas, vale destacar sua aposta de que a economia brasileira iria se levantar (“boost”) com Bolsonaro.

O melhor é que o jornal abre sua enquete para seus leitores —apontando, no fim do ano, os sortudos que acertaram todos os palpites.

Não é especialmente fácil nem difícil. Eis alguns exemplos para 2020: “Vão continuar os protestos populares na América Latina?”. Sim, diz o jornalista Michael Stott, apostando no México. 

“Conseguirá a Disney ameaçar a Netflix e a HBO no mercado de filmes online?” Sim, garante Andrew Edgecliffe. “Trump se reelege?” Não, diz Edward Luce.

As explicações vêm num parágrafo curto. Sou incapaz de escrever muita coisa a respeito de qualquer desses temas, mas me senti tentado a apostar.

Minhas previsões são em geral erradas; ou, pelo menos, tendo a lembrar mais de meus erros que de meus acertos.

Achei que, logo após a vitória de Bolsonaro, gays e transexuais não poderiam nem sequer andar em paz pela rua —haveria uma epidemia de ameaças e fuzilamentos.

Não chegamos a tanto. Imaginava também que, sem base parlamentar, Bolsonaro tentaria alguma espécie de golpe gradual. Mas o Congresso apoia, com ressalvas, a sua agenda; meu medo de turbulência política séria parece ter sido exagerado.

Ainda que mau profeta, posso ser ao menos um crítico das previsões alheias.

Fiquei espantado, assim, com o que disse o jornalista Gerard Baker, antigo manda-chuva do Wall Street Journal, num artigo recente.

A revolução tecnológica, para Baker, vai logo acabar. Cada vez aparecem menos produtos realmente inovadores no mercado; do Samsung 7 para o Samsung 18, decerto não haverá tanta diferença assim. Quanto aos gigantes tecnológicos, Google e Amazon surgiram na década de 1990. Microsoft e Apple, antes disso.

Equipes cada vez maiores são necessárias para criar inovações cada vez mais insignificantes. A produtividade individual de cada nerd, de cada inventor, de cada guru, está em queda desde 1930.

Não há tanto mais a inventar, conclui o colunista.

Será possível?

Minha tendência, como bom reclamão, é notar a falta de muita coisa útil na vida cotidiana. Não acho impossível que, nos próximos dez anos, todos os nossos celulares e computadores sejam alimentados a luz solar —adeus, monte de fios e tomadas.

Já se fala em drones substituindo motoboys em todo tipo de entrega; acredito que estarei vivo quando pizzas chegarem pela janela do meu apartamento. Serão os verdadeiros discos voadores.

Carros sem motorista e sem gasolina? É para já. Carne artificial, imitando perfeitamente o gosto do churrasco? Questão de alguns anos.

Um mundo sem tomadas, sem gasolina, sem bois, não é pouca coisa como revolução. Qualquer dúvida, procurem-me em 2030.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.