Uma nova boneca promete fazer sucesso nas vendas de Natal em alguns países, e com certeza logo vai chegar por aqui. Em inglês, chama-se FailFix. A tradução literal seria "desastre/conserto", e funciona do seguinte modo.
A boneca, mais ou menos do tamanho da Barbie, está de penhoar, com a cara toda borrada, e o cabelo de quem acabou de acordar. Parece ter tido uma noite agitada na véspera.
Aí você usa o kit que vem junto na caixa. Não só o cabelo recebe um trato, com pentes ou prendedores, mas há um potinho ou coisa parecida para o tratamento facial. As sobrancelhas são ajustadas, o batom se corrige, não sei se há colírio para tirar aquela vermelhidão da região dos olhos.
Pronto! Ela pode substituir o penhoar por um minivestido matinal, ostentar seu mais saudável sorriso e dirigir-se, com passos firmes na botinha vermelha, para mais um dia de trabalho ou dondocagem.
Como era de esperar, o brinquedo recebeu críticas de alguns setores. Reforça-se, sem dúvida, o estereótipo da mulher bonita e de sucesso, que não passa por ressacas, desilusões, desesperos e diversas noites mal dormidas.
A própria Barbie, modelo de todas as outras, tem sido submetida a um "aggiornamento". Não é mais tão patricinha. A série "Barbie Profissões" providenciou para ela roupinhas de engenheira, de paramédica, até de candidata a cargo eletivo. Talvez falte a de lavradora, por exemplo; mas com reality shows do tipo "A Fazenda" isso não vai tardar.
Do mesmo modo que a maquiagem física, existe a maquiagem ideológica. A rede de fast-food surge um belo dia com um saudável pote de salada; a publicidade do banco mostra o sonho de uma jovem empresária negra. Um dia, quem sabe, a empresa de segurança privada de um supermercado arranjará um bottom "Black Lives Matter" para compor a farda.
Não acho ruim; mesmo sem ser de verdade, maquiagem de fato ajuda.
Para falar então da boneca FailFix. Claro que reforça o estereótipo feminino do rosto perfeito. Bonecos feios, como o Fofão ou o ET, sempre foram tolerados. Mas a boneca feia? Se existe, não é conhecida.
Ocorre que as coisas não são tão simples. Bonecas como a Barbie ou essa da cara em pandarecos representam, acho, um passo à frente.
É que o sentido original e verdadeiro da boneca era outro, nos tempos antigos. A boneca era um futuro bebê; a menina brincava de ser mãe. Fazia batizados, costuras, comidinhas.
Aí residia o verdadeiro estereótipo —assim como o menino com seus soldadinhos de chumbo, a dona da boneca se preparava para um futuro imutável. Cuidava-se do balanço entre o berço e o batalhão, a natalidade e o massacre.
Só que, aos poucos, as bonecas deixaram de ser crianças. Barbie e Suzi, pelo que me lembro, foram as primeiras bonecas adultas.
Com isso, a dona da boneca deixou de ser uma aprendiz de mãe. Brinca de ser mulher adulta e sem filhos.
Com a FailFix, a boneca de ressaca, a boneca maldormida, tem-se um novo grau nesse processo. A menina deixou de cuidar de uma filhinha imaginária; está cuidando da mãe. A criança real é a adulta da brincadeira, e a mãe é seu bebê.
Por que não? Os adultos se infantilizaram muito, afinal. Aos sessenta anos são adolescentes, e chegarão aos cem como bebês de fralda. Logo inventarão bonecas para essa eventualidade também.
As crianças, por sua vez, já se preparam para o poder. O caso de Greta Thunberg é só o começo. Com o futuro do planeta em jogo, o voto das crianças não é tão absurdo assim.
E não me digam que elas não sabem votar. A média dos adultos não será menos irresponsável e crédula.
Quanto ao estereótipo sexista, a solução logo vai aparecer no mundo das bonecas. Já se impõe a criação das bonecas trans. Viriam acompanhadas de um kit cirúrgico.
Um pipiu (des)atarraxável (cuidado, peças pequenas podem ser engolidas) e bisnaguinhas de silicone garantiriam instrução e divertimento à criança do século 21.
Veja como o mundo dá voltas. No meu tempo, as bonecas não tinham sexo. Você tirava a roupinha, e topava com uma estranhíssima falta de respostas; uma superfície plástica neutra, vacante, basal.
Foi um grande avanço quando produziram o primeiro boneco com pintinho. Chegava ao ponto de fazer xixi; mais que isso já não digo.
Hoje, essas ousadias correm o grande risco de passar por atrasadas. Vamos em frente: que as crianças, para começo de conversa, decidam o sexo das bonecas.
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