Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Marcelo Coelho
Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Putin seria vítima no faz-de-conta em que Hitler só reagiu ao imperialismo

Há esquerdistas que 'entendem' o presidente russo, olhando com simpatia para suas razões, a partir da ótica antiamericana

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Está certo, as coisas em política internacional são em geral mais complicadas do que parecem. Mas o fato é que, de vez em quando, as coisas são simplíssimas também.

Ao invadir a Ucrânia, Vladimir Putin tomou uma atitude que só tem paralelo com as investidas de Hitler contra a Tchecoslováquia e a Polônia.

Surgem explicações e raciocínios para justificar o que Putin fez. Os países do Ocidente "encurralaram" a Rússia. Não respeitaram aquela antiga potência nuclear. Ameaçaram, com o cerco da Otan, a segurança dos russos. Falharam em integrar a Rússia ao sistema globalizado.

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Publicada nesta terça, 1º de março de 2022 - André Stefanini

Pode ser. A política dos Estados Unidos poderia ter sido diferente.

Mas lembrar esses problemas agora, quando as tropas invadem a Ucrânia, é o mesmo que dizer, em 1939, que a Alemanha estava encurralada. Que Hitler se sentia ameaçado. Que o imperialismo da Inglaterra e da França faltaram com o respeito às legítimas preocupações do partido nazista.

Sem dúvida, Hitler surgiu, em parte, como consequência do duríssimo tratamento que os vitoriosos da Primeira Guerra impuseram à Alemanha com o tratado de Versalhes. Naquela época, 1919, pessoas esclarecidas, como Keynes, alertaram para o perigo que havia em tentar esmagar economicamente a Alemanha.

Observadores críticos e lúcidos sabiam disso. Mas, quando Hitler resolveu começar a guerra, qualquer observador crítico e lúcido também sabia que a questão mudava completamente de figura. E que não fazia sentido criticar a Inglaterra ou a França pelos atos de um ditador, de um louco, de um criminoso.

Parte da esquerda parece ter simpatia por tudo, desde que seja antiamericano. Isso não é progressismo, não é socialismo, não é esquerdismo: é puro antiamericanismo.

Putin é um autocrata de extrema direita. Promove o assassinato de seus adversários políticos. Defende valores religiosos ultraconservadores, perseguindo homossexuais. Seu conselheiro, Alexander Dugin, inspira Olavo de Carvalho e Steve Bannon. Putin tem o apoio de Bolsonaro e Trump. Dinheiro grosso de seus aliados bilionários ajuda a financiar políticos conservadores na Inglaterra.

E eis que parte da esquerda se dispõe a "explicá-lo" e entra na fraseologia do "mas também", do "por outro lado", "não se esqueça que" et cetera.

No seu discurso "histórico" pela televisão, Putin declarou que a Ucrânia é uma invenção, não existe como país. Difícil coisa mais imperialista do que isso.

E eis que setores de esquerda o tratam como se fosse vítima!

É muito engraçado. Há esquerdistas que "entendem" Putin, olhando com simpatia para suas razões, a partir da ótica antiamericana. É a boca torta do cachimbo progressista. Não precisam me dizer o mal que os Estados Unidos fizeram pelo mundo. Mas gostaria que nossos esquerdistas se lembrassem de perguntar o que a esquerda russa acha disso tudo.

Manifestantes contra a guerra —e, obviamente, anti-Putin— são presos pelo ditador. Vamos explicar aos dissidentes russos que Putin está reagindo aos sufocantes atos de ameaça da Otan? A qual, até agora, recusou-se a admitir a Ucrânia como um de seus membros.

E digamos que aceite. Parte da esquerda adota os argumentos de Putin, dizendo que a Rússia não poderia tolerar uma Ucrânia fazendo parte da aliança militar ocidental.

Sim, ele pode não gostar da ideia. Mas, se a Ucrânia quer essa aliança, não é direito dela? Ouvem-se os argumentos de Putin. Por que não ouvir as opiniões do povo ucraniano?

Estas têm-se evidenciado, aliás, com total clareza. A resistência deles aos tanques russos só tem comparação, para mim, com o que aconteceu na Guerra Civil Espanhola ou no Vietnã.

Contra todos os prognósticos, contra todos os argumentos "de bom senso", contra todos os "veja bem", "não esqueça que", "por outro lado", os ucranianos resistem.

Resistem ao odioso ato de força de um ditador de direita.

É comum dizer que, em política e na vida real, não cabem maniqueísmos, e que a divisão entre mal e bem está longe de ser clara. Mas, se é para ter um mínimo de critério moral, o parâmetro para minha condenação é o quanto alguém se aproxima de Hitler —o mal absoluto, se for para existir algum.

Hitler invade a Polônia, a Tchecoslováquia, a França, o que ele bem entender. E aí aparecem analistas de esquerda para criticar Churchill! "Ele é muito imperialista, não se esqueça disso." Não vou esquecer. Mas estou com Churchill, contra Hitler. E com Biden, contra Putin.

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