Com estreia marcada para 8 de dezembro, o filme "Ela Disse" segue a linha de outras produções recentes sobre jornalismo.
Penso em "Spotlight", em que repórteres do Boston Globe investigam abusos sexuais do clero católico, e em "The Post", mostrando as odiosas mentiras do governo americano durante a Guerra do Vietnã, e a coragem do Washington Post em revelá-las ao público.
Desta vez, o filme de Maria Schrader enaltece o trabalho de duas jornalistas do New York Times, Megan Twohey e Jodi Kantor. Elas investigaram a longa série de estupros, assédios e atos de bullying contra mulheres, em especial atrizes, cometidos pelo produtor cinematográfico Harvey Weinstein, da Miramax.
Weinstein terminou condenado a mais de 20 anos de prisão, e a reportagem de Twohey e Kantor foi decisiva para desencadear o movimento MeToo: milhares de vítimas de assédio se sentiram finalmente livres para denunciar os homens que as atacaram.
Não foi fácil; nunca é. "Ela Disse" nos dá um boa ideia dos fatores que garantiram, por décadas, a impunidade de Harvey Weinstein.
O crime de estupro pode ser complicado de provar; em geral, não há testemunhas para o que aconteceu. Um grande produtor de cinema, como Weinstein, podia simplesmente acabar com a carreira de uma aspirante a atriz, caso esta se recusasse a ceder a seus avanços.
Muitas vítimas sentem vergonha do ataque sofrido. Uma das cenas mais fortes do filme traz o depoimento de uma delas à jornalista. Amedrontada diante da insistência de Weinstein, a jovem só pensava em sair da situação; para acabar logo com aquilo, "entrega-se" ao canalha, finge orgasmo, e volta para casa com um trauma para toda a vida.
Pior: quem quisesse denunciar o dono da Miramax recebia a visita de um exército de advogados. Ir sozinha a um tribunal, sem provas contundentes do que tinha acontecido, parecia uma opção menos realista do que assinar um acordo, receber um bom dinheiro e silenciar sobre o assunto.
Aí começa a luta das duas jornalistas do New York Times: as mulheres atacadas por Weinstein tinham assinado, junto com o acordo, uma cláusula de confidencialidade. Elas não poderiam contar a ninguém o que tinha acontecido —ou seriam elas mesmas processadas pela empresa.
É o maravilhoso mundo neoliberal. Evita-se a intervenção do Estado, e duas pessoas formalmente "livres" e "iguais em direitos" concordam em assinar um contrato que, em tese, deixa as partes "contentes" com o desfecho. O dinheiro compra tudo.
"Ela Disse" se inscreve na categoria dos filmes que é impossível não recomendar; seu valor ético e político o torna, de algum modo, obrigatório. Mas a fórmula não me satisfaz completamente.
Um dos problemas é que o trabalho do jornalismo investigativo tende a ser chatíssimo. As duas heroínas do filme passam a maior parte do tempo telefonando, insistindo, visitando pessoalmente as vítimas que sequer se dispunham a atender às chamadas.
Não adianta a trilha sonora intervir o tempo todo com sons de suspense nem tentar algumas indicações sobre as dificuldades pessoais das repórteres (com filhas pequenas e maridos pedindo atenção). O grande herói de "Ela Disse" são as solas de sapato.
E, naturalmente, o New York Times. Fosse a causa menos nobre, e menos certa, tudo pareceria uma operação de merchandising —com tomadas e mais tomadas do célebre edifício do jornal. O mesmo acontecia nos filmes com o Washington Post e com o Boston Globe —que, coitado, hoje em dia não passa de fascículo magrinho, ocupado por notícias locais de casamento e batizado.
Todo meu apoio vai para o jornalismo impresso, obviamente: quanto mais enfraquecido, mais a sociedade está entregue à mentira e à manipulação de Trump, Bolsonaro e semelhantes. Imagine se Harvey Weinstein tivesse igrejas evangélicas e o Exército do seu lado.
Acho, em todo caso, que um filme sobre o caso seria mais interessante se focalizasse o lado dos vilões. Um grande escritório de advocacia, por exemplo; os altos funcionários da Miramax, que sabiam de tudo. O próprio Weinstein, que aparece só de costas em "Ela Disse".
Filmes como "Vice", sobre Dick Cheney, o repulsivo vice-presidente de George W. Bush, ou "Os Olhos de Tammy Faye", sobre a mistura de ingenuidade e charlatanismo de uma pastora evangélica americana, dão mais o que pensar.
Ao reconfortado espectador de "Ela Disse", só resta aplaudir. E, quem sabe, ler um pouco mais de jornal.
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