Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Marcelo Leite

Aquecimento global põe o Ártico em polvorosa

Em uma época em que o sol não se levanta, foi quebrado o recorde de temperaturas positivas: 61 horas seguidas.

Brian Battaile/USGS

Não há novidade em dizer que toda a região em torno do polo Norte –Alasca, Groenlândia, Svalbard, Rússia– está esquentando com o dobro da velocidade do restante do planeta.

O povo pode não prestar atenção, como de hábito. Mas os cientistas sabem disso há bastante tempo, e até eles estão surpresos com a velocidade da mudança climática por lá.

Neste inverno, o Ártico enlouqueceu. Numa época em que o sol não se levanta, bateu o recorde de temperaturas positivas: 61 horas seguidas. A marca anterior era de 16 horas.

Se isso não for capaz de chocar o leitor, como deveria, aqui vai outra forma de apresentar essa anomalia: o termômetro registra 10°C a 20°C acima do que seria normal para a estação.

Na semana que passou, choveu em Svalbard, a meros 1.300 km do polo, onde é no mínimo incomum chover no inverno. A temperatura subiu a 3°C, enquanto a Europa mergulhava na onda de frio que se apelidou de Fera do Leste.

O mar ao norte da Groenlândia ficou livre de gelo, outra raridade num mês de fevereiro. Especialistas acompanham por satélite a extensão do gelo marinho –a famosa calota polar– e vêm medindo em 2018 a menor cobertura durante o inverno.

Há boas razões para crer que se iniciou uma reação em cadeia.

Com a sucessiva redução da calota nas últimas décadas, o gelo que sobra de um ano para outro torna-se cada vez menos espesso. Ele se quebra e dispersa rápido sob a ação de tempestades mais frequentes e poderosas, vindas do sul, que levam ar quente para as imediações do polo.

O gelo, branco, reflete grande parte da luz do sol (diz-se que ele tem um albedo alto). Já a água do mar exposto quando a calota desaparece, escura, absorve radiação e se aquece. Menos gelo se forma, e assim por diante.

Alguns pesquisadores preveem que em breve o Ártico ficará livre de gelo no verão. Consideram o processo irreversível nos próximos séculos. Seria o “novo normal”, expressão que se populariza.

Habitantes de outras partes do planeta talvez considerem que a transformação do Ártico pouco afeta suas vidas. Quando muito se compadecem do destino dos ursos polares, coitadinhos, que precisam da calota polar para caçar focas desavisadas.

Estão errados. O clima global é um sistema todo interconectado. O que acontece no Ártico não fica no Ártico.

A muralha de ar enregelante que se assenta sobre o polo ganha buracos, por onde escapam massas de ar frio que turbinam os invernos rigorosos na América do Norte e na Europa. Há evidências de que a mudança do clima ártico desencadeia as secas que assolam a Califórnia, por exemplo.

Quem circula pelas ruas de Oslo vê uma quantidade enorme de carros elétricos. Na Alemanha, cogita-se banir os carros a diesel de Stuttgart, cidade natal da Daimler Benz.

A Índia segue o caminho da China e começa a rever o consumo de carvão. Para tanto, passa a investir pesado em fontes alternativas de energia, eólica e solar.

O mundo está mudando, embora não no ritmo necessário. Enquanto isso, o Brasil anda para trás.

O desmatamento, ainda a nossa maior fonte de emissões de gases do efeito estufa, dá sinais de recrudescer –e o Supremo Tribunal Federal, mesmo assim, chancela um Código Florestal que anistiou quem devastou floresta ilegalmente.

Atrasos têm consequências funestas, aprenderemos logo.

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